Clube de Leitura da Casa Amarela

No dia 14 de maio de 2022, o Clube de Leitura da Casa Amarela se reuniu pela primeira vez presencialmente, desde o começo da pandemia. Escolhi dois livros muito especiais para o reencontro presencial: O Voo da Abelha de Cristiano Mota Mendes, ed.Viegas, de São Luis do Maranhão. O livro é um jorro poético maravilhoso , um canto para a noite, e desinventa na sua estrutura, as fronteiras de gênero literário. Não é um conto, não é um poema, não é uma crônica, é uma torrente de fragmentos que leva o leitor em sua enxurrada belíssima. Os bordados de Ângela Dumont fazem a mais perfeita moldura. Os Contos de Cães e Maus Lobos, ed. Biblioteca Azul, também nos carregam em sua cachoeira de beleza, são delicadíssimos e densos, são fios de seda. Sendo assim, nos enredamos numa teia mágica. A alegria do reencontro foi indescritível. Como crianças que precisam sapatear e dar cambalhotas quando a felicidade é muita, cantamos, dançamos, rimos, choramos. Vanda, meu anjo de todas as horas e sua filha Liliam na cozinha, iam e vinham como abelhas fabricando mel. Samuel, nosso jardineiro, junto comigo nas arrumações, assistiu, como sempre, toda a discussão dos livros. Não deixei de fora os que não puderam vir pela distância: gente de Uberaba, Goiânia, Belo Horizonte, Tel Aviv, Visconde de Mauá, tiveram comigo um encontro on line pelo zap. Estandarte produzido e bordado pela nossa leitora Janir. Foto de todos na montagem do nosso leitor Jiddu.

Clube de Leitura da Casa Amarela

Do Amor e outros Demônios, o livro discutido no dia 13/03/2022, no Clube de Leitura da Casa Amarela, foi um mergulho nas águas maravilhosas da escrita de García Marquez, Gabo para nós, seus leitores apaixonados. Dando um salto do presente, para 200 anos atrás, a partir de uma reportagem para o jornal onde trabalhava, nos leva para o cerne do amor e do horror, numa história que ouviu da sua avó. Cada personagem jamais será esquecido. A menina de 12 anos, Sierva Maria, que sofre os piores horrores no Convento onde está aprisionada levada pelo pai, aprisionada pela Igreja e Inquisição, por causa da mordida de um cão raivoso, que, por ter sido criada na Senzala da propriedade, (seus pais a ignoravam) falava línguas africanas, por tudo isso, a matemática da Igreja fazia dela uma possuída. Bem sabemos o que a Inquisição fazia com os possuídos. Com as mulheres. Mas Gabo constrói uma potente história de amor. Nesse livro a atmosfera é de medo, loucura, decadência. Tudo se espessa e morre, só o amor se salva. A cada frase as imagens inesperadas e feéricas, maravilhosas, nos agarram e nos deixam quase sem ar. O romance trabalha com uma potência simbólica imensa e ficamos impregnados de algo que não sabemos definir. Neste nosso tempo de intolerância e Guerra, onde a ignorância dos fanáticos vai tecendo sofrimento e morte, Do Amor e outros Demônios nos alerta para a extensão do mal e nos deixa na frente do espelho de nossos próprios Demônios. Mas a teia do amor nunca se extingue. E foi maravilhosa a leitura de cada um, que ao se costurar com a do outro, faz a mais bela tessitura trazendo muitos pontos de vista. A leitura solitária e depois a discussão coletiva, mesmo online, é um deleite. Roseana Murray

Penélope Martins

Para Eunice, um texto corajoso que nos propulsiona a pensar na possibilidade restaurativa do afeto para curar as feridas sociais. A menina branca que aprendeu a amar a mulher preta que a obrigava a comer com o chinelo na mesa, tempos depois revisita a história para se conciliar com as dores da injustiça. Se Eunice deixasse a menina minguar de tão magra, seria ela a única culpada. Junto disso, o filho da empregada crescia longe dos olhos atentos e cuidados de sua mãe. Cuidando das filhas brancas, Eunice se apartava do seu mundo e inventava um tempo e lugar para si e para os inocentes. Eram duas meninas brancas, mas eram duas crianças apenas. Os olhos de Eunice podiam ver tudo como um rio de águas límpidas. O dinheiro pingava, o amor abrandava sua falta. O mais bonito é poder ler uma poeta mulher, mãe, avó, figura pública lida e relida por tantas pessoas, assumindo para si a responsabilidade de dizer: sim, eu aprendi a amar com uma mulher preta, mas foi dela que tiraram o maior amor que sentira, o de seu próprio filho. Triste e belíssimo. Corajoso, acima de tudo. Obrigada, Roseana. Penélope Martins

Luciana Hidalgo

Tenho acompanhado com entusiasmo a multiplicidade de clubes de leitura no Brasil. É uma eficaz forma de tirar o leitor da sua solidão e levá-lo a ampliar a íntima experiência da leitura, ao compartilhar a sua percepção pessoal de um livro com percepções alheias. Meu romance “O passeador” foi o livro desse mês do Clube de Leitura da Casa Amarela, e essa imagem dos leitores em pleno debate sobre as andanças de Afonso (o jovem Lima Barreto) pelo Rio de Janeiro da Belle Époque é para mim preciosa. Quem coordena o Clube é ninguém menos que Roseana Murray, poeta e autora de mais de cem livros, que ainda escreveu esse belo, emocionante texto sobre “O passeador”. Fico comovida com esse interesse cada vez maior pela leitura no Brasil; esse sim o país do futuro. Luciana Hidalgo