Lilian Rocha de A. Hattori – Universidade Federal de Rondônia – Campus Vilhena

Uma possiblidade de leitura do poema “O poeta”, de Roseana Murray O poeta O poeta vai tirando da vida os seus poemas como pássaros desobedientes e amestrados A palavra é o seu castelo sua árvore encantada, abracadabra construindo o universo. A presente análise procura demonstrar a desestabilização de sentido no poema “O poeta”, de Roseana Murray. No primeiro verso do poema o verbo “vai” acompanhado de um verbo no gerúndio (“tirando”) cria uma ideia de prolongamento do ato do poeta, gerando a sensação de que a ação dele é eterna. A ausência de pontuação encarada como pausa ou interrompimento, nessa estrofe, acentua esse prolongamento. É como se o poeta estivesse sempre a construir os seus poemas. os seus poemas como pássaros desobedientes e amestrados O uso da comparação (“os seus poemas / como pássaros desobedientes ∕ e amestrados”) cria semelhança entre os dois substantivos, pois a construção do poema é sempre uma lida, em que o poeta trabalha com uma pluralidade de sentidos que precisam ser adequados (amestrados) a sua necessidade. A palavra é o seu castelo Esse verso pode SER entendido de duas formas Numa primeira, a “palavra” pode ser tomada como moradia do poeta, já que ele a habita. Ela é sua matéria prima e o seu resultado. Numa segunda leitura, a equiparação da “palavra” ao “castelo” confere àquela o poder de ser construída. A palavra é o seu castelo sua árvore encantada, abracadabra construindo o universo. O último verso aparenta ser contraditório a toda a construção anterior do poema. Pois, quando “abracadabra” é colocada como sujeito da oração (“abracadabra construindo o universo”), ela se torna a agente da construção. De que universo fala o eu poético? Se do universo da linguagem, universo como linguagem, a construção desse universo já não é do poeta e sim da magia. Essa resultante desconstrói o que antes havia sido colocado no poema. O que antes era construído como um poema metalinguístico é destruído por sua própria estrutura. Universidade Federal de Rondônia – Campus Vilhena Língua Portuguesa V Professor: Carlos Cintra Acadêmica: Lilian Rocha de A. Hattori

Cristiano Mota

Roseana, Me sinto a beira de um precipício ao terminar de ler Carteira de Identidade. Abismos navegáveis a barquinhos de papel, como diria Rosa. Esse quem sou constante, de dentro da caverna, a se embrenhar por dentro cada vez que um espinho de luz fere, um poema único em fragmentos que levam até as estrelas, até os ossos do tempo. Vejo Nise da Silveira no poema Flores, mais um, entre tantos fragmentos de metamorfose. Revivo suas palavras, no pequenino apartamento da Marquês de Abrantes, cercada de gatos por todos lados. Falava de Jung, que lhe aconselhou a ler as Metamorfoses de Ovídio. Era poesia. Não sei se em algum lugar, de algum jeito, continuamos a existir; de algum absurdo modo, a falar, ver e sentir. Por isso não sei como mandar teu livro pra Nise. Mas se isto fosse possível, mandaria teu livro para algum lugar, onde Nise existiria, e assim escreveria a dedicatória: “Minha amada Nise: recebe este livro, metamorfose de flor, rio e estrela. Uma maneira que encontrei para recordar que ainda somos capazes de encantamento”. Não coube no email anterior colocar toda a surpresa, todo o prazer que a leitura de Carteira de Identidade me trouxe. As imagens de Elvira Vigna, que incrível sensibilidade! Dois rios que se juntaram nesse trabalho. É como se teus poemas escorressem dos desenhos dela, feito o sumo de uma fruta, redesenhando pelas palavras novos sentidos. Esse processo alquímico aparece brilhante em Vento, como um buquê de significados que se entrelaçam. Mais uma vez a imagem das borboletas me trazem a sensação de metamorfose poética. Nada é estático. Palavras e imagens se mexem dentro de quem lê. Não sou teórico nem acadêmico, mas acho que consigo enxergar e sentir a beleza de um som ou de um pensamento que atinge meu coração. E esse teu livro me atingiu com força e delicadeza. Um beijo, Cristiano Mota

Vera Maria Tietzmann Silva

Roseana Murray: poemas para ler na escola Poesia juvenil, um terreno pouco trilhado. A ideia de se fazer um tipo especial de texto para o adolescente é relativamente nova. As gerações passadas, que se iniciavam na leitura pelos quadrinhos e livros infantis, passavam às novelas de aventuras e, destas, aos grandes ficcionistas e poetas, fazendo essa transição de modo natural, sem traumas ou dificuldades. Quando os hormônios promoviam suas mudanças no corpo, e o anseio amoroso ou as dúvidas existenciais avassalavam a mente e inquietavam o coração, meninos e meninas buscavam nos poetas consagrados a voz capaz de expressar em palavras o que eles próprios sentiam. Liam, então, indiscriminadamente poetas clássicos e modernos, portugueses e brasileiros, de Castro Alves a Vinícius, de Camões a Cecília. Não se cogitava a hipótese de existir uma poesia voltada para a adolescência. Nos anos 70, com a expansão editorial e a intensa oferta de livros para a criança e o jovem, esse público passou a ter acesso a uma produção cultural específica e atraente. Contudo, a presença da literatura infantil e juvenil na escola parece ter acompanhado a divisão das séries, predominando as obras infantis, voltadas para a primeira fase do Ensino Fundamental, havendo menos opções para pré-adolescentes e adolescentes. [1] Texto publicado na coletânea de artigos críticos Olhar o poema: teoria e prática do letramento poético, organizada por Débora Cristina dos Santos e Silva, Goiandira Ortiz de Camargo e Maria Severina Batista Guimarães (Goiânia: Cânone Editorial, 2012), p.165-177. Ainda assim, a chamada literatura juvenil, de contornos e limites tão imprecisos quanto os do físico e da mente de seus leitores, sem dúvida existe e vem merecendo a atenção da crítica especializada, servindo já há algum tempo de corpus de análise para dissertações e teses acadêmicas. Uma consulta aos catálogos das editoras logo deixa perceber que sob o rótulo de juvenil há um imenso número de novelas e contos, porém escassos livros de poemas. A faixa fronteiriça entre o infantil e o adulto, o reduzido espaço que permeia essas duas fases da vida, parece estreitar-se ainda mais quando se entra no domínio do poético. Em boa parte dos livros de poemas declaradamente juvenis observa-se que a qualidade estética com frequência deixa a desejar, seja pela banalidade do conteúdo, seja pela indigência das soluções formais – são poucas as obras que merecem o nome de poesia. Nesse cenário, a obra de Roseana Murray destaca-se pela excelência. Roseana Murray, que estreou na literatura em 1980 com um livro de poemas para a infância, inclui-se entre os primeiros poetas a contemplar o público jovem. Desde a década de 80, ela vem construindo uma obra sólida e constante, de amplo reconhecimento da crítica, o que se evidencia nas sucessivas premiações e nos estudos críticos sobre sua obra, realizados principalmente nos programas de pós-graduação em Letras. Roseana também incursionou na ficção, mas seu território essencial é a poesia, que ela produz em diversas modulações, ora mais voltada para crianças, ora para jovens ou mesmo para leitores adultos. As gradações de tom, léxico, temática ou recursos estilísticos às vezes são tão sutis que se levanta a dúvida sobre qual seria, afinal, o público-alvo pretendido. Frequentemente é no formato e no projeto gráfico, ou, ainda, no catálogo da editora, mais do que nos textos em si, que o leitor vai encontrar esse esclarecimento. Se o destinatário dos poemas de Roseana Murray nem sempre é declarado, a sua leitura autoriza duas certezas: de que se está diante de textos genuinamente poéticos e de que a autora não subestima seu leitor com facilitações de linguagem e obviedades de assuntos. Poesia, um modo especial de ver a realidade Mais do que a típica disposição na mancha gráfica ou a valorização do estrato sonoro da língua, o poema se revela como tal por constituir um modo especial de olhar. O poeta observa o mundo com um olhar novo, como se o visse pela primeira vez. O leitor, diante do texto, revive essa capacidade de ter um olhar inaugural, capaz de ver poeticamente as coisas mais banais. Por isso, todo poema bem construído deve surpreender o leitor, seja pela originalidade do enfoque, seja pelo uso criativo da linguagem. Um poema se faz com uma constelação de imagens. Sim, porque é de fato nas imagens que se alicerça a linguagem poética. A palavra ou locução que corporifica a imagem – em geral um substantivo concreto que se deixa visualizar na mente de quem lê – marca-se pela densidade e se intensifica pela repetição. A leitura de um texto poético pede uma atitude especial do leitor: atenta, alerta, disponível, isso porque cabe a ele fazer o preenchimento dos espaços do não dito, a tradução das metáforas e alegorias, o desvendamento daquilo que é apenas sugerido, a descoberta das alusões a outros textos e autores. Ora, quem concede esse papel de parceria no jogo poético, como faz Roseana Murray, parte do pressuposto de que seu leitor é inteligente. O leitor de poesia precisa estar atento às peculiaridades da dicção poética para ser capaz de fruí-la em sua justa medida. Para tanto, ele deve ter o ouvido aguçado para apreciar o jogo das sonoridades que, como a música, evoca sentimentos e sensações, reforçando o que as palavras dizem. E ele precisa ter também a visão desenvolvida, ser capaz de “ver com a imaginação”, visualizar mentalmente em cores, formas e volumes aquilo que as imagens poéticas apenas sugerem. Para perceber as imagens e reconhecer as intertextualizações, escondidas aqui e ali sob a capa de alusões, o leitor de poesia não pode ser um neófito. Ele precisa ter alguma experiência de leitura, ser capaz de ir além da superfície dos versos. Por isso, esses recursos estilísticos são menos frequentes nos poemas infantis, onde os jogos sonoros e as brincadeiras com as palavras, que as crianças tanto apreciam, são mais presentes. Além disso, o leitor precisa desarmar-se das peias do pensamento lógico e abrir-se à imaginação sem rédeas, como faz nos momentos de sonho ou de devaneio. Isto porque a poesia reside

Gloria Kirinus

No “Diário da Montanha” de Roseana Murray tem mãe e tem filhos. Tem mala aberta, hortênsias e mandala. E ainda Café, pele e Juan. E muito, muito mais… Assim, como se fosse um dicionário de inspirações, procuro este Diário que me alimenta, comove e aquieta quando estou a procura de algo que nem eu bem sei…Aliás, algo que não sabia, porque depois que achei o poema “redemoinho” aprendi a lição de redemoinhar: ” Veio um redemoinho e virou o tempo : as árvores enlouqueceram, como se subitamente não suportassem mais as raízes no chão”. (….) p. 63 E foi ali, nesse último verso da primeira estrofe deste poema intenso e vivo que eu também me desprendi do tempo, do espaço e passou a tarde por mim. Obrigada, Roseana, pela beleza de livro, pelo presente da sua montanha e seu belo diário. Gloria Kirinus

Arnoldo de Souza

Roseana me envia seu livro mais recente, talvez já não seja . Leio , releio , levo-o comigo para Paris, onde , na energia de Mallarmé, Baudellaire e Apolinaire, depois de muito ler e reler, teço essas palavras, minha impressão sobre esse mais novo trabalho dessa poeta amiga, fada da palavras. Em meio a montanha, inebriada de matas , plantas e muita água, Roseana jorra sua poesia como uma enchente, uma tromba d’água inundando as casas da floresta, os vasos de plantas , enchendo o cálice das begônias com sua poesia encantada. E os seres da mata, os entes da natureza estão impregnados em sua narrativa rupestre; seja os duendes e gnomos , transparecendo nos jardins dos seus versos livres , seja os Tronos , em eterno sacríficio pelo surgimento cósmico da beleza da natureza , traduzida por Roseana , seja os serafins e querubins , anjos do amanhecer e do crepúsculo, ornando as bordas dos dias incrustados na poesia-memória de nossa autora. Magia que reflete a luz condensada como expressão da matéria , e o amor expandido como reflexo da energia que paira no vácuo perfeito de toda eternidade. Sim , magia e luz, seres e floresta, água e memória , canto , pranto e paixão desmesurada pela vida , pelos seres do universo. Tudo narrado em verso feito com pergaminho e grafite, iluminado com lamparina , como soe acontecer aos poetas, antenas da raça, em seu exílio da serra , com sua ancestralidade atávica que a faz ressoar na alma sua poesia-mensagem mágica , cotidiana , absurdamente bela, encantadora e encharcada de dor e leveza , amor , carinho e densidade rítmica rara de se ver , boa de se ler, que permanece nos músculos de nossa memória e nos acompanha no perpassar do dia a dia . Espero o próximo . Grande abraço Arnoldo de Souza

Salgado Maranhão – A poética de Roseana Murray

A poética de Roseana Murray flui tão genuinamente em sua harmonia verbal, que se instaura em nós como uma conversa iluminada. Há nela uma densidade que não é de pedra nem de fúria, mas de brisa, porque porosa em nos aconchegar. Neste seu Diário da Montanha, fala de pedras com palavras-nuvens; fala de vento com palavras-lume. Desata os sentidos e as camadas por onde o mistério das coisas se oculta. Trata-se de uma poesia inaugural em que as costuras conceituais não se exibem para denunciar citações. Sua voz sopra de uma paisagem sintática unicamente sua, como uma fonte que só para ela brotasse. Daí a sua enorme aceitação junto ao leitor, semelhante aos ancestrais da sua família poética, como Manoel Bandeira, Cecília Meirelles, Mário Quintana e Manoel de Barros. Salgado Maranhão

Cinéas Santos

Minha irmã querida: Hoje, recebi “Diário da Montanha”, um livro que merece o nome de joia. Tudo nele é beleza, simplicidade e bom gosto. Poderia listar os poemas que me fascinaram, mas seria exaustivo. Ainda asssim, ‘Juan”, “Vento” , “A chuva”, “Agradecimento” são poemas antológicos.Muito obrigado pelo carinho da lembrança. Uma consulta: semanalmente, abro o meu programa na TV homenageando um poeta, com a leitura de um poema. Cito a fonte, mostro o livro, etc. Ainda assim, gostaria de saber se posso ler um poema seu, se a editora não criaria algum problema. Não quero brigas com ninguém. Se não for possível, tudo bem. Grande abraço. Cinéas Santos

Ana Maria Machado

Roseana querida, Que lindo está seu livro! Além de um belo objeto gráfico, me traz de novo essa sua voz poética de que gosto tanto e vou saboreando aos pouquinhos. Densa, contida, intensa, verdadeira. E expressa numa linguagem cada vez mais dominada, em sua integração, a emoção com que a vida é celebrada. Gosto muito. Obrigada. Um abraço carinhoso Ana Maria Machado