E.M. Ronald de Souza

  Hoje, 14 de março de 2024, recebi a E.M. Ronald de Souza, 4° série, a primeira do ano dentro do meu projeto Café, Pão e Texto. Adoro essa faixa de idade, entre 9 e 10 anos. São curiosos, ainda se assombram, se divertem com pouca coisa e logo ao chegar, foram brincar de pique no jardim. Ouvi a frase: ” estou me sentindo no céu!!!”. Preparei um café bem lindo. O sucesso é sempre meu pão e hoje junto com um pote de mel com uma colherzinha de madeira que não encosta no pão, de longe o mel escorre. E eles ficaram maravilhados. Como sempre, brincamos de poesia com vários poemas de vários livros. Eles amaram. Juan, meu espanhol, apareceu e todos queriam aprender espanhol com um desejo maior do que o mundo. As crianças ouvem uma língua estrangeira maravilhadas. Poderiam sair do 5° ano falando espanhol fluentemente. Mas só no 6° ano terão inglês. E espanhol? Raríssima a escola pública que oferece espanhol. Uma editora me entregou uma caixa do livro Arabescos no Vento, que já saiu do catálogo e assim, pude dar um livro autografado para cada criança. Quando as crianças vão embora, deixam na casa um rastro luminoso de alegria.  

Sonhos de Transgressão – Fátima Mernissi

Fiz couscous marroquino, uma referência ao Marrocos. Os outros pratos eram de comida bem brasileira: arroz, feijão mulatinho, carne moída com linguiça em molho de tomate, abóbora e salada verde. Fiz pão. Muitos trouxeram prosecco, pois fazia um calor terrível. Nosso livro, Sonhos de Transgressão, nos levou para o harém, em Fez, no Marrocos, onde nasceu a autora Fatima Mernissi. Na verdade conhecemos dois tipos de harém, um monogâmico, na Medina, na cidade e outro no campo, com várias mulheres e um só marido. Eram os anos quarenta e o Marrocos estava mudando. Uma fatia da sociedade já rejeitava a poligamia como um costume bem atrasado. Fátima Mernissi, coloca a si mesma criança como narradora. Ela e seu primo Samir querem entender aquele mundo. Eles se perguntam e a todas as mulheres, o que é um harém, por que as mulheres não podem sair, porque tantas fronteiras? Não andamos muito pelas ruas da Medina, pois já que as personagens mulheres não podiam sair, ficamos juntos, leitores/as/personagens, no terraço onde se contavam histórias, se desenhava, se fazia teatro, se aprendia a voar. Se aprendia a desejar outras possibilidades de vida. Sonhos de Transgressão. O que faz Fatima Mernissi é exatamente isso: Ela nos coloca lá dentro do harém da cidade, onde todas buscam os momentos mágicos da desobediência, quando se ouve rádio, as cantoras do momento, o que não é permitido. A estadia no harém do campo também é belíssima, sem portões que fechassem o harém, mas com fronteiras respeitadas, apesar de invisíveis. Sabemos que Fatima Mernissi estudou, saiu do harém, cumpriu o sonho de liberdade de sua mãe, de sua avó. Trouxemos para o encontro poemas marroquinos. Nosso leitor francês levou um poema de uma poeta palestina. Os poemas que foram lidos eram muito bons. Para ousar o voo, num momento de opressão, poesia, literatura, música, teatro, arte! Edith Lacerda abriu o encontro contando a história de Sherazade. Edith é contadora de histórias e foi um grande deleite.   PS: Agradecimentos a Vanda Oliveira , Lilia, sua filha, Samuel, nosso jardineiro, por tudo o que fazem para que tudo dê certo, no encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela.

Clube de Leitura da Casa Amarela

Uma vez por ano, no belo mês de dezembro, com os flamboyants floridos, o Clube de Leitura sai da Casa Amarela em caravana e joga as suas âncoras na Quinta da Harmonia, linda Chácara na zona rural de Saquarema, e somos recebidos por dois anfitriões esplêndidos. O livro a ser discutido era A Muralha de Dinah Silveira de Queiroz. A manhã era azul e fresca, um vento-carícia varria a nossa pele na varanda, com a lagoa em nossos olhos e a vegetação luxuriante. O cenário era perfeito. Comecei lendo o primeiro parágrafo e destaquei os meus assombros com o livro: 1- nunca havia lido num romance com escravizados indígenas e negros trabalhando no mesmo lugar, nesse princípio de Brasil. 2- a complexidade dos personagens é um susto. E então passei a palavra, éramos umas vinte e cinco pessoas, e como uma vela que se acende e tremula, iluminando pedaços do aposento, cada participante trouxe a sua própria luz e fomos puxando os inúmeros fios da narrativa. O livro é de uma solidez monumental e de tanta violência e beleza. A “reinol” Cristina parece ser a personagem principal, ou o fio condutor, já que o livro começa e termina com ela, que não cabe em lugar nenhum, como foi dito. Às vezes algumas passagens nos trazem um pouco do onírico de Gabriel Garcia Marquez, às vezes algum eco do Grande Sertão, apesar de Guimarães Rosa o ter publicado depois. As mulheres são de uma força descomunal. O foco passa das mulheres para os homens, da poesia para a brutalidade. O leitor, enredado pela trama, não consegue parar. Aí estão as sementes do Brasil atual. As sementes do capitalismo selvagem e destruidor. Aí está a raíz do nosso racismo estrutural, do abismo social, do genocídio indígena. Aí está o colonizador, na figura de Cristina, com seu ar de superioridade. E as Entradas e Bandeiras, que matavam, estupravam, que em meus livros de escola, eram heróis, viram gente de verdade. Assistimos a Guerra dos Emboabas, com suas emboscadas e traições e na última linha, fechado o livro, entendemos mais o nosso país. O Clube de Leitura da Casa Amarela amou o livro A Muralha, que foi escrito na década de 50 em fascículos antes de virar livro, que foi série da Globo, e que nos emocionou até a medula, neste final de 2023. Um almoço esplêndido nos lembrava os banquetes do livro. E este dia ficará para sempre em nossos corações.

Colégio Estadual Professor Francisco de Paula Achiles

A última Escola deste ano que veio ao Café, Pão e Texto, chegou de S.Gonçalo. O Colégio Estadual Professor Francisco de Paula Achiles. Os alunos eram do 8° ano e as Professoras super amorosas: Kesia, Nelma, Priscila e Sula. Veio na caravana a funcionária de limpeza Rose, que trabalha na Escola desde 1988. É uma Escola bem antiga, dentro de uma Comunidade. Chegaram e foram todos direto para o jardim, estavam soltos, felizes, à vontade. A mesa do café era farta e deixei que se servissem sozinhos. Havia um clima ameno, de profunda amizade entre eles. Apresentei alguns livros novos e abri um grande espaço de fala para eles. Reivindicaram mais espaço de escuta na Escola, menos falta de professores. E demonstraram uma imensa sensibilidade quando apresentei meu livro Perfumes e falaram dos cheiros que amam. Um menino disse que amava o cheiro do mel. E realmente o afeto corria entre eles como um rio de mel. Os que estavam deitados no tapete se aconchegavam uns nos outros. Uma menina disse que sentia o cheiro da morte antes de alguém morrer,mas não conseguia explicar, o que daria um conto, o que me lembra a Blimunda do Memorial do Convento, que via os órgãos das pessoas por dentro quando comia miolo de pão e sabia se iriam morrer. A Escola tem aula de teatro e dança, o que é uma maravilha. Fiz uma dramatização com um menino e uma menina com um poema e todos amaram. Para fechar falamos sobre o tema Felicidade, já que meu novo livro, que fiz com William Amorim, é todo sobre isso e fiquei surpresa com a beleza do que é felicidade para eles. ” um momento”, “algo inesperado”, “estar na casa dos avós” e a mesma menina que falou do cheiro da morte, disse que também conseguia sentir o cheiro de nostalgia quando o momento de felicidade passa. Por fim todos nós fizemos um desejo em pensamento e gritamos o nosso nome para o Universo ouvir. E fomos até o mar. Pude dar um livro Jardins autografado para cada um, pois ganhei uma caixa da minha amada Bia Hetzel, que sobrou da Editora Manati. O Café, Pão e Texto fechou o ano lindamente, trazendo os adolescentes e pré adolescentes, de longe, até a minha casa, para um encontro singular entre a poesia e tantas sensibilidades. Que cada um encontre seus dons e seus caminhos.