Café, Pão e Texto

Hoje recebi 20 Professoras das Salas de Leitura de Saquarema, pelas mãos de Roseléa Olímpio. Como hoje também havia recebido uma nova tiragem do meu livro Qual a Palavra, resolvi de última hora que nosso encontro teria a paz como tema. Comecei falando como sempre sobre a importância que deveria ter a Sala de Leitura numa escola. Digo deveria, porque em muitos lugares não é assim. Basta olhar o IDEB. Roseléa leu o livro, na verdade um poema mais longo, pois estou com um problema nas cordas vocais e estou quase sem voz. A partir deste poema falamos das mil questões que envolvem essa pequena e imensa palavra. Propus um exercício escrito. Disse a elas que todos sabemos o que a guerra faz, mas e a paz? A partir dos textos lindos que escreveram, nossa conversa tomou um rumo bem diferente do que eu esperava: a paz interior. Como se busca essa paz? Onde encontrá-la? Então falei do documentário brasileiro que vi: O Tempo que o Tempo Tem, imperdível, tem na Netflix. Falamos do tempo, do nosso tempo e suas demandas… e poderíamos ficar aqui falando até o final dos tempos! Foi um encontro maravilhoso. E fomos então para a mesa do café.

Joel Cardoso

POEMAS PARA METRÔNOMO E VENTO Roseana Murray – Guaratinguetá: Penalux, 2018, 110 páginas. Roseana Murray, minha poeta maior… Estou em falta com você. Recebi, há já alguns dias (alguns dias?… que ironia!… já se passaram mais de 30 dias), pelo correio, o livro que me enviou. Cada livro seu é um presente… presente dos deuses… “… o que não pode / ser dito, / onde carregar?” (“Entre as páginas”. p. 50.). Vou tentar me redimir, me justificar… Como estava às voltas com a elaboração do meu MEMORIAL, para ascender ao nível de PROFESSOR TITULAR (que submeto à apreciação da banca avaliativa no próximo dia 2 de outubro), estive o tempo todo preocupado com esta (ingrata) tarefa. Tarefa, repito, ingrata e incômoda, tentando organizar meu caos interior, mesmo sabendo ser “Impossível arrumar / o caos por onde trafegam / as horas (“As horas”, p. 43). Seu livro, seus poemas – que bom! -, foram um bálsamo que minimizaram minha ansiedade, meu atabalhoamento nesse percurso. Claro que cito você nesse memorial. Claro que transcrevo alguns de seus poemas. O poema “Ausência” (p. 62), por exemplo, abre a sessão em que relembro o ‘nosso’ Latuf. No embalo subjetivo que demarcam os passos dessa dança rememorativa, pareceu-me que o poema foi escrito para ele… Poemas não têm endereço… Nós os direcionamos… cada leitor se apodera deles amoldando-os às suas carências, às suas subjetividades, aos seus devaneios… O poema se constrói de palavras indizíveis, estações que, ao aflorarem, redefinem, e alinhavam saberes necessários e insubstituíveis, dos quais nós, às vezes, nem mesmo suspeitávamos. Retirando da vida o que de essencial a nossa sensibilidade permite. Por que “… o poema se faz / com a vida que se vai / vivendo” (“Farinha e Aurora”, p. 82). De repente, ‘não mais que de repente’, perguntamo-nos: “De onde vem / essa linha fina / de costurar poema?” (p. 12). Vem dos anseios da alma, querida… Criação primordial, a poesia se faz necessária. Se é alimento para a alma de quem a produz, se torna, de forma similar, essencial para quem lê. Somos atravessados e modificados pelos versos, aves canoras que, ao sair do corpo do poema, pousam mansamente em nosso ser. E sentimos que é como se sempre estivessem ali… Através dos poemas tomamos consciência de instâncias que desconhecíamos, instâncias que não supúnhamos existirem em nós… instâncias que, sufocadas, reprimidas, abafadas pelos ritos do cotidiano, buscam espaço para, ao domesticar a nossa solidão, quebrar muros cerceadores do nosso interior… Não é que “a vida / não é tarefa / pequena, / às vezes é dor / e pedra! (“Pipa”, p. 17)?… No poema, os versos, ao se manifestarem plenos, alados, lírica e sonoramente, pousam de mansinho em nós… Com a poesia desvendamos o que há de divino, o que há do sagrado-profano que paradoxalmente nos habita. Somos nós mesmos e as nossas sombras, as nossas regiões abissais dominadas, incorporadas… e somos, também, especularmente, o outro, em sua dimensão paralela… A poesia é o nosso registro de permanência no efêmero que se eterniza. Através dela, despimos as nossas mascaras, abdicamos dos nossos nomes, dos prenomes, dos pronomes… Reinventamo-nos… Conferimo-nos novos rostos, novas fisionomias e nos (a)firmamos, nos reconhecemos em todos eles… Buscamos novos sentidos, mais que isso, necessitamos deles. “Como desembaraçar / os fios, / os rios, / oceanos, / montanhas / as linhas do passado / e as teias do futuro?” (“Bagagem”, p. 57). A precariedade da palavra nos abre portas, nos conduz às metáforas… metáforas que alteram a rotação do nosso universo… Somos todos linguagem e escritura, signos e símbolos, realidades e devaneios, interligamos o efêmero à eternidade, soletramos alfabetos desconhecidos. Os poemas, ao se auto traduzirem, nos traduzem também. Textos que, numa teia interminável, remetem a outros textos. “Um verso simples, / sozinho, / não tece a manhã: / é preciso um galo / e um sol, / nas mãos um sonho / ainda sujo de estrelas / ainda sujo de infinito.” (“Um verso e outro”, p. 58). Assim como o dia, festa que nos surpreende a cada amanhecer, ao se revelar em suas nuances, movendo as nuvens do nosso céu interior, a poesia nos encanta, nos comove, nos absorve, nos alimenta. Somos a mistura do que fomos, com aquilo que, no presente, nos tornamos… somos também as nossas expectativas futuras, os nossos desejos de agora entrelaçados às marcas, aos vestígios de um passado que insiste, persiste, resiste. “O passado / era essa água / estranha, / feita de tempo, / ilusão, / bruma fugidia” (p. 37), e, quase sempre, tão exigente, tão ali bem pertinho, de plantão… Apaziguamos a noite dos nossos desejos… acendemos estrelas novas na nossa constelação eivada de desejos, povoada de ansiedades, modeladas pela amplitude da nossa solidão… E assim vamos nós “pelas ruas do tempo, / com as sobras, / o corpo abarrotado / de tudo o que pode / entornar no poema (“Sobras”, p. 38). Presente, exigência do agora, a vida singra e sangra na estrada dos versos… as palavras redefinem os contornos da nossa existência, realidade e sonho, testemunho e negação da realidade. Você personifica, para mim, a nossa poeta maior. Uma poeta que, despindo as palavras do sentido que as vestes do cotidiano lhe atribuem, confere novos sentidos a elas. Seguimos sempre, por vezes, à nossa revelia, sabendo que “em algum lugar / o destino / prepara as suas / encruzilhadas” (!Encruzilhadas”, p. 61). E isso é muito… Com você, me permito voar… Sabendo que “Para alçar voo / um pensamento / basta…” (“Lição de Voo, p. 52). Por isso eu a amo. Obrigado por tudo… Beijos n’alma Joel Cardoso – Universidade Federal do Pará – UFPA

Café, Pão e Texto

Com todo o frio e toda a chuva eles chegaram!!! O ônibus se perdeu e fiquei muito aflita. Mas a mesa já estava pronta e cheia de delícias e a alegria do nosso encontro era de todas as cores. Ganhei uma cesta cheia de maravilhas de Conceição de Macabu, mas as maiores iguarias foram as que ouvi . A Secretária de Educação, a Vivian, me contou: a Secretaria de Educação coloca a leitura como personagem principal em toda a rede. Os alunos têm aulas de teatro, capoeira, balé, jiu-jitsu, uma Escola de Música que possui um convênio com o Instituto Villa Lobos e a Secretaria de Esportes oferece aulas de canoagem e uma escola de futebol. Ela me diz que o Prefeito da cidade é completamente comprometido com as escolas. Fui escolhida como autora homenageada e a segunda Feira de Livros acontecerá a partir do dia 31 de agosto. Estão todos na maior felicidade me esperando. Fizemos o encontro dentro de casa e coube todo mundo. Falamos e falamos e li poemas e contei um pouco da minha caminhada. Um casal adorável veio fazer um vídeo, o Renato e a Elaine e ficou tudo gravado e registrado. Quando, depois da Feira, o vídeo ficar pronto, colocarei no meu site. A sessão de fotos aconteceu na praia e no jardim. Estou exausta, mas foi um encontro maravilhoso!!!

UMEI Áurea Trindade Pimentel de Menezes

Elas entraram trazendo a Eunice, uma boneca maravilhosa, que trabalha na UMEI Áurea Trindade Pimentel de Menezes, contando histórias para as crianças. Isolina Miranda me contou que a Eunice foi diretamente inspirada na minha Eunice, minha segunda mãe, que chegou na minha casa quando eu tinha três meses e só foi embora quando se aposentou, com meus filhos criados. A UMEI fica em Itaipu, tem horário integral e a Diretora Débora me conta, que apesar das dificuldades a escola tenta oferecer toda a felicidade possível. E pelo que ela e a Sub Diretora Rose Pena me contaram e as professoras confirmaram, a escola consegue. Foi uma tarde maravilhosa e me contaram os passeios e os projetos e fiquei sabendo que o poema que os pequenininhos mais amam é o Desejo de Abraço, do meu livro Poço dos Desejos, pois adoram abraçar e ser abraçados. Café com leite, pães e bolos e ouvi uma professora falando para outra o quanto era maravilhoso esse encontro fora da escola e num lugar tão belo. Ficaram emocionadas porque eu mesma faço o pão e sirvo, mas se não fosse assim qual seria a graça? Nana, que é super reservada, não gosta muito de gente, adorou o grupo e a Eunice e passou todo o nosso encontro sentada no meu colo. E Babel, que adora gente, não apareceu! Vai entender os gatos!

Neurivan Sousa

O ótimo livro “Poemas para metrônomo e vento”, da consagrada Roseana Murray, (Penalux, 2018), traz uma poesia sob medida que nos enlaça pela sutileza e deslumbramento das imagens. A densidade de seus poemas é de água e de pedra e de ventos e de árvores e de luas e de luz… Sua voz é de uma sonoridade rítmica tão delicada que se confunde com a polifonia produzida pelo beijo da aragem nas cortinas dos nossos olhos. É ler e se deixar levar pela fluidez de um rio manso e maiúsculo. Neurivan Sousa Professor – Santa Rita/MA

Clube de Leitura da Casa Amarela

O encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela, que uma vez por ano acontece na casinha branca do bosque, em Visconde de Mauá, trouxe Diderot para a nossa sala, com todo o seu humor, ironia, irreverência. Que o romance Jaques, o Fataliste e seu Amo, com mais de 200 anos, traga um selo de atualidade, como se tivesse sido escrito hoje, foi o espanto que todos trouxeram para o grupo. Diderot faz um romance que vai sendo anunciado enquanto é construído. O narrador chama o leitor para dentro dessa viagem que sai de um lugar qualquer e vai para outro lugar qualquer enquanto vamos ouvindo mil e uma histórias maravilhosas com muitos narradores. Diderot desafia a nobreza, a Igreja e todas as regras. E gostaríamos de ter Jacques eternamente ao nosso lado, em suas aventuras, ouvindo a história dos seus amores. Liberdade, o poema do Paul Éluard, foi sendo lido em voz alta, estrofe por estrofe, nesse encontro onde falamos de servidão, tirania e liberdade. É um dos poemas mais belos que conheço. E ganhamos de presente um cassoulet, a feijoada francesa, do Chef Andre Murray, de comer rezando e a torta dos aniversariantes da Chef Daniela Keiko Takahagui Murray. E vinhos maravilhosos trazidos pelo grupo. Muito bom para preparar o clima de final da Copa do Mundo amanhã. E o próximo encontro será no dia 15 de setembro em Saquarema e vamos ler ou reler os livros De Repente nas Profundezas do Bosque, do Amós Oz e Momo de Michael Ende. Cada leitor trará um poema do poeta de sua escolha sobre o Tempo.

E.M. Prof Dilza da Silva Sá Rêgo

Quase que a escola não veio. E eu teria perdido uma das experiências emocionais mais impactantes da minha vida. Na sexta-feira, a Professora Lenilsa me ligou dizendo que afinal não tinham conseguido o ônibus, será que eu não poderia adiar o encontro? Disse que não, infelizmente, tenho muitas escolas querendo uma vaga. Ela se desculpou e desligamos. Logo me liga outra vez e diz que a escola viria sim, alugariam um ônibus. Eu não fazia a menor ideia de nada. Nem de que escola se tratava. Sabia apenas que era de Jaconé, mas já no Município de Maricá. Não mais Saquarema. Acordei às 5 horas da manhã para começar a preparar tudo. Tomei café com os gatos, fiz o pão. Gosto que o pão ainda esteja quente na hora do café. Às 9.10h um ônibus todo branco, antigo, ultrapassado, meio 1950, encostou no outro lado da rua. As crianças se arrumaram para uma foto com o mar ao fundo. Fui até lá, ao seu encontro. Depois da foto viemos juntos para a casa. Já vieram me abraçando, me beijando. Eu fiquei no portão e dizia, podem entrar, sentem nos bancos e no tapete. Recebi a Diretora, as professoras. Eram 30 crianças. Nunca sei como vou começar. Mas então começamos pelo momento pipi. Pedi ao Samuel que acompanhasse as crianças até a casinha de hóspedes do jardim, pois lá há um banheiro enorme, há um espelho enorme, além do passeio pelo jardim. É uma alegria. Na volta, realmente tomo contato com aquelas crianças. Duas meninas lindas são apresentadas. São gêmeas. Fazem aniversário hoje: Raissa e Raiane. Essas crianças são diferentes. Me contam os seus projetos. Amam ler. Fazem perguntas incríveis. Sabem coisas da minha vida. Possuem vocabulário, são donas das palavras. São da quarta e da quinta série de uma escola rural: E.M.Prof Dilza da Silva Sá Rêgo Então falamos de bichos. Eles sabem muito dos bichos. Trouxeram um painel de pano pintado com meu poema A Morte do Sabiá, do livro Fardo de Carinho. Falamos de gaiolas, prisões, caçadas. Eles querem que eu fale como fiz esse poema, o que senti. Falam de animais em extinção. Me contam que na lagoa há jacarés. Jacarés ou crocodilos? Um menino diz: Jacaré, crocodilos são da Austrália. Falam com propriedade, lindeza, sabedoria. Fazemos um intervalo para o café. Foi a mais linda dinâmica, algo tão amoroso, uma troca incrível entre as professoras e a Diretora e as crianças. Parecia uma dança, tudo fluia, flutuava, eles comiam como se come nuvens. Comiam com delícia e delicadeza. Trouxeram biscoitos que prepararam na cozinha da escola junto com as merendeiras. Me dizem a receita tintim por tintim. Trouxeram um doce de maçã. Havia uma criança especial, sorridente, integrada e uma mediadora só para ela. Comemos e bebemos absolutamente tudo o que havia sobre a mesa: sanduíches, pão caseiro, biscoitos, tomate ralado, manteiga, mel, bolos, leite com chocolate, suco de goiaba, café. Não sobrou nenhuma migalha. Era uma festa no céu. Um disse, esse pão é maravilhoso, vamos fazer na escola? Voltamos para os lugares. Então fizemos brincadeiras com meus poemas. Cada vez que eu precisava de silêncio eu pedia para eles ouvirem o mar. Falamos de paz e guerra, eles sabiam da Síria. Leram em voz alta . Sabem ler perfeitamente, com sentimento. Leram meu poema do Classificados Poéticos, o do Habitante de outra galáxia. Eles sabiam o que é uma galáxia. Uma teia de amor une essas crianças. Mas qual é o segredo? A Diretora me conta que é uma escola de horário integral. Entram cedinho e saem às 17h, jantam na escola. Ela me diz que tem tudo na escola. Biblioteca. Tem fantasias, ela me diz, tem espelho. Tem investimento na escola e isso é visível, os resultados são muito impressionantes. Crianças lendo fluentemente, com um vocabulário incrível, entendendo o texto perfeitamente, amorosas, sem nenhum clima de violência entre elas. Trouxeram os poemas mais lindos que escreveram, inspirados nos meus. Se uma escola pode funcionar assim e conseguir resultados assim, por que todas as escolas do país não podem ser assim? Por que os governos não escolhem educar assim como prioridade, como escolha de mudar o mundo? Quero agradecer a Diretora Raquel e as professoras que acompanharam essas crianças lindas: Lenilsa, Ana Rita, Jociene, Jacira, Cláudia. Hoje fiquei abalada com o que vivi. Ainda estou abalada. Ficarei abalada para sempre.

Café, pão e texto

Devo dizer que hoje recebi as 29 professoras (e um professor) mais incríveis do mundo. Vieram de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense e todo mundo sabe que lá não é o Leblon. Muita garra, muito desejo de fazer a diferença, de salvar a vida tão precária dos seus alunos e alunas. Fiquei maravilhada com todos os relatos. Já começou pela chegada: abraços, muita emoção e duas orquídeas lindas e um vaso de girassol. Hoje a minha casa está cheia de flores. Foram duas horas imensas e intensas! Sugeri que elas almoçassem no Girassol, que tem um preço especial para as professoras que recebo e fica na frente do mar. Aceitaram a sugestão. Eu não conseguia telefonar, então pedi pro Samuel, nosso jardineiro, ir até lá de bicicleta avisar. Tudo certo, mas uma meia hora depois toca a campainha e vou atender. Um rapaz me diz que é o cozinheiro do restaurante e precisava saber quantas pessoas queriam carne e quantas pessoas queriam peixe. A maioria queria peixe. Acho que é a primeira vez que um cozinheiro vai na casa do cliente anotar o pedido! Do encontro de hoje, 29 professoras e um professor, nasceu o desejo de criarem um grupo para troca de experiências. Fiquei maravilhada com a consciência de todos de que precisam fazer o melhor para salvar aquelas crianças. Algumas chegam ao quarto ano sem saber ler direito! Mas foram muitas sugestões e a coragem de tentar conseguir recuperá-las. A mesa do café, com a ajuda do meu anjo da guarda Vanda de Oliveira, estava linda. Tudo aconteceu em torno das questões que elas foram levantando. E depois fotos no jardim, autógrafos e outros abraços na partida.