Passei a infância no Grajaú, lindo bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Morei na Rua Araxá, num prédio de três andares onde brincava nas escadas com minhas bonecas de louça. Nesta casa chegou minha irmã Evelyn, tão pequena, pois como eu, era prematura. Depois nos mudamos para a Rua Barão de Bom Retiro e morávamos ao lado da loja do meu pai, Lejbus Kligerman. A casa era muito pequena e meus irmãos, Jacob e Israel dormiam na sala.
A loja era um mundo fascinante ,uma mistura de armarinho com miudezas e loja de roupas, cama e mesa, tecidos. Durante o Natal a loja ficava cheia de brinquedos. Nos fundos da loja ficavam as cabines onde as pessoas experimentavam as roupas. Adorava estas cabines espelhadas, brincava horas sozinha aí dentro. Mais tarde nos mudamos para a Rua Caruaru 40. A família inteira morava perto e como no Rio de Janeiro da minha infância não havia violência eu percorria sozinha o bairro. Visitava minha avó, Faiga Gutman e sua casa era um mundo acolhedor e mágico. Ela me recebia com seus biscoitos de nata e lia a bíblia para mim. No mesmo prédio da minha avó morava minha tia Alice e na Praça Malvino Reis a tia Cecília. Às vezes num mesmo dia eu visitava todo mundo.
Ao lado da loja do meu pai havia outra loja, do seu amigo Valdemar. Ele era sobrevivente de guerra. O fim da Segunda Guerra era ainda recente.
Eunice era minha babá. Ela cuidou de mim desde que nasci. Quando tinha medo , durante a noite, eu fugia para a sua cama. Quando criança meu sonho era ser negra, como a Eunice.
Em muitos finais de semana íamos para Niterói. O irmão do meu pai morava lá com a família. Eu tinha pânico de perder meus pais na hora de entrar na barca, pois era uma multidão que se soltava quando abriam as cordas. A Baía de Guanabara era límpida e os golfinhos acompanhavam a barca. Eu amava estes passeios.
Estudei na E.M Francisco Manoel até a terceira série. Era boa aluna, mas tinha medo da escola . Antes havia passado pelo maternal que se chamava Tic-Tac. Também tinha medo e quando ia para a escola rezava para que meu irmão , Jacob Kligerman, que me levava de bicicleta, ou a Eunice, esquecessem o caminho.
Na quarta-série minha mãe, Bertha Kligerman, me transferiu para a Escola Hertzlia, escola judaica. Fui muito maltratada , a turma que já estava junta desde o começo, não me aceitou e passei a ser uma péssima aluna. A professora, Lygia, zombava de mim.
Mas a adversidade me deu forças para superar a turma e passei as férias estudando e pulei o admissão, na época um ano intermediário. Com isso ultrapassei a turma que me era hostil. E consegui estudar três anos de hebraico em um , recuperando assim todo o tempo perdido.
Fiz o ginásio no Colégio Hebreu Brasileiro. Nos portões do Hebreu deixei a minha infância e deslizei para a adolescência.