Clube de Leitura da Casa Amarela

Longa Pétala de Mar, de Isabel Allende, tendo um verso do Neruda como título, foi o livro que nos uniu neste encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela. Durante três horas de gravações e digitações, nosso método de encontro neste segundo ano da Pandemia, anos trágicos, vivenciamos o horror da Guerra Civil Espanhola, como disseram no encontro, um prefácio para a Segunda Guerra. Fugimos por montanhas cheias de neve, junto com uma massa de gente alquebrada, (paramos na fronteira com a França, esbarramos na crueldade das fronteiras). Conhecemos os Campos de Refugiados franceses, Campos da morte para os fugitivos da Espanha. Conhecemos a bondade humana em seu estado mais puro, o verdadeiro ouro dos alquimistas. Nascimento e Morte no cotidiano de sujeira e fome, e o milagre de um navio pilotado por Neruda. Em cada capítulo um verso do poeta, Neruda é o personagem que conduz 2000 espanhóis para o Chile. Entre voltas e reviravoltas, a tragédia da América Latina se desenrola diante de nossos olhos, dentro de nossos corações. Muitos habitantes do Clube, são testemunhas destes anos terríveis. A ficção é a maneira como a História passada também nos faz personagens. Misturando pessoas reais com gente inventada, seus amores, aventuras, Longa Pétala de Mar, essa grande Ode ao Chile, como disse um leitor, é uma geografia que levaremos para sempre.

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Em 2010, a partir da leitura de um livro, A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata, resolvi tentar fazer um Clube de Leitura na minha casa, com toda esta beleza de Saquarema como cenário. As pessoas chegaram para este primeiro encontro e ao longo destes 10 anos tanta gente foi chegando e saindo e chegando. Nosso Clube de Leitura da Casa Amarela está numa dissertação de Mestrado sobre modos de leitura, de Maximiano Martins de Meireles , da Bahia. Algumas vezes recebemos leitores que vieram de longe, Bahia, Brasília, Minas, S.Paulo. Temos pessoas de profissões muito diversas em nosso Clube e vários professores. Isso é muito bom. Muitas vozes. Antes da pandemia, terminávamos o encontro com um almoço maravilhoso na varanda, com a música do mar. Pão, vinho e abraços Na pandemia optei por fazer nossos encontros por zap. É impressionante a força da voz sem imagem. Cada um grava seu depoimento e comentamos digitando. Como estamos no modo virtual, algumas pessoas de outros lugares puderam entrar. Temos até uma leitora de Tel Aviv. O livro discutido foi Torto Arado, de Itamar Vieira Junior. O impacto do livro sobre nosso grupo foi imenso. Todos sabemos que a Abolição foi de uma crueldade única, como foi a escravidão. Milhões de escravizados foram jogados na rua, sem comida, moradia, escola, saúde. Itamar nos leva para um tempo, algumas gerações depois, onde os descendentes dos escravizados continuavam nas fazendas, trabalhando sem salário, sem nem um dia de descanso, em troca de casebres precários, de barro, pois era proibido construir com alvenaria. Era preciso plantar para comer, fora das horas de trabalho e mesmo assim, a metade da colheita era roubada pelo gerente da fazenda. É nesse cenário que o romance acontece, entre a dor e os amores, os encantados, a brutalidade do cotidiano. As mulheres são a força da terra. São arquétipos. Não vou contar o livro. Pois deve ser lido obrigatoriamente. Como disseram no Clube, fomos arados por este Torto Arado, pela beleza de cada personagem, pela consciência que vai emergindo. É um livro tão impactante que deve ser lido duas vezes. Donana, Bibiana, Belonísia, Salu, Zeca Chapéu Grande, Severo, o Jarê, um punhal. Lemos o livro com o coração, com todos os sentidos. É um romance sensorial. Jamais esqueceremos.

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Uma sinfonia de vozes maravilhosas, uma orquestra de leituras, que como uma pedrinha que se joga no lago e suas pequenas ondas vão se alargando, assim aconteceu no encontro do dia 12 de dezembro em nossa discussão sobre o livro Despertar os Leões, de Ayelet Gundar-Goshen, uma jovem escritora israelense. Eram dois livros, o outro, o conto do Balzac, Uma Paixão no Deserto. O Clube da Casa Amarela agora é uma construção de vozes. Ao invés de tijolos, ferragens, portas e janelas, a casa física se faz em timbres, palavras, ideias. Ontem passamos quatro horas em dois desertos e abolimos o tempo, abolimos os 200 anos que separam um deserto do outro. Os dois livros falam de paixão, desejo e morte. Mas Despertar os Leões vai muito além de paixão e desejo e morte. Em sua trama nos traz questões éticas, a tragédia dos refugiados ilegais, o fosso social entre os visíveis e os invisíveis, a questão das mulheres refugiadas, constantemente violentadas, o trabalho ilegal, quase escravo. Entramos no mundo invisível dos refugiados eritreus em Israel. É um livro denso, belo. Fala de um amor que lateja, entre pessoas de dois universos tão desiguais. Fala do leão selvagem dentro de cada um. O conto do Balzac fala de uma paixão inesperada, singular. O olhar sobre o deserto em cada um dos dois livros é muito diferente. Em Despertar os Leões o deserto é hostil. Em Uma Paixão no Deserto o deserto é belíssimo, de uma dolorosa beleza. Nos dois desertos, as histórias se passam sob o signo da lua. Sob o feitiço da lua, que estava lá, imutável , pantera de prata, nas duas tramas. A lua foi a regente do nosso encontro, em pleno sol. Agradeço aos leitores do Clube de Leitura da Casa Amarela, a cada um, sem o seu amor pelos livros, as quatro horas que passamos juntos seriam muito diferentes. Seriam as horas que passamos em nossos afazeres, muitas vezes sem deixar marcas. Pela voz de cada um, pelos comentários de cada um, essas horas ficarão para sempre inscritas em nossos corações, nesse tempo duro em que atravessamos um grande deserto cheio de minas e na literatura encontramos alento.

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Nosso encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela teve uma altíssima voltagem emocional. Fazemos sem imagem. O processo é simples: abro o encontro e vou chamando as pessoas. Cada pessoa já gravou seu depoimento previamente. Entre uma gravação e outra há um intervalo para os comentários digitados. A voz de cada um ressoa nítida e a emoção de cada fala se espraia por nosso corpo como ondas de rádio, notícias do que um livro é capaz de fazer em nossas entranhas. Como a Rádio Relógio chegava até Macabéa. Lemos A Hora da Estrela, da Clarice Lispector. Macabéa, essa estrela quebrada, síntese dos invisíveis, dos ninguéns, de quem não tem palavras, de quem da vida só recebe migalhas, como pombos anônimos numa praça, nos invadiu com sua quase existência. Os depoimentos, enquanto se avolumavam, traziam leituras riquíssimas e diferentes, tesouros. Clarice nos fala numa entrevista, enquanto escrevia o livro, que foi na Feira de S.Cristóvão que a personagem entrou dentro dela. E nos diz que ao sair da Feira pensou: “e se um carro me atropelasse?” A Hora da Estrela é de uma força que quase nos aniquila. Além de ser a metáfora de milhões de brasileiros, há uma Macabéa dentro da gente, quando, inseguros, buscamos tateando o amor e a felicidade. Mas o milagre em Clarice é a maravilha da sua escrita. Cada frase é um susto, um assombro, um poema.

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Nosso Clube de Leitura da Casa Amarela se reuniu por zap, durante três horas e meia, para discutirmos Olhos D’Água de Conceição Evaristo. Em nosso encontro as pessoas já deixam uma gravação pronta, de no máximo três minutos e depois damos um tempo para que todos comentem o que foi ouvido até que entre a próxima gravação. Com Conceição fechamos uma trilogia de sobreviventes de genocídios, que começou com Anne Frank, que embora tenha morrido pouco antes da guerra acabar, ficou viva para sempre, pois sua voz clara, cristalina , nos chega dos escombros do Holocausto, com sua crença na bondade humana. Krenac é a voz dos sobreviventes indígenas, do genocídio indígena das Américas e apesar da sua dureza e lucidez, ele nos diz que uma outra maneira de viver é possível, é possível adiar o fim do mundo criando outro. Conceição é a voz dos sobreviventes do genocídio africano, da crueldade deste país, da monumental injustiça para com os descendentes dos que vieram nos Navios Negreiros. Conceição, em seus contos de Olhos d’Água coloca em nossos braços a brutalidade do cotidiano da gente brasileira, sem acesso aos direitos mais básicos para que se possa viver com um mínimo de dignidade. Os contos, embora tantas vezes atravessados por um vento poético, são duríssimos e transbordamos de tristeza por todas estas crianças assassinadas, por todas as mulheres com seus sonhos estilhaçados, por todas as mulheres estupradas, pelos suicídios de quem não tem mais saída, pelas mortes solitárias, por outra vida possível que não acontece porque o país não permite. É um livro duro. Enche nossos olhos de água. A discussão foi belíssima. Felizmente temos no Clube vozes muito variadas e coloridas e também casamentos mistos, de preto com branca, branco com preta e preta com preto e o racismo foi a tônica da discussão, inclusive com depoimentos pessoais. Felizmente há uma consciência emergindo, novas vozes surgem para denunciar, gritar, escrever. Sugeri a leitura do livro A Vida Não Me Assusta, de Maya Angelou com pinturas originais de Jean-Michel Basquiat como complemento. Para o próximo encontro, em 24 de outubro, vamos ler A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

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Talvez o chamamento do Krenak para adiar o fim do mundo tenha sido uma das coisas mais impressionantes que já tenha acontecido com o Clube de Leitura da Casa Amarela. Nosso encontro virtual acontece por zap, para que não tenhamos restrição de tempo. No dia 25 de julho de 2020, nossa conversa durou mais de três horas. Quando terminou as pessoas almoçaram e voltaram e não pararam mais de falar e juntar as suas mãos, as suas vozes para suspender o céu. Começamos com um mito indígena Carajá, que Edith Lacerda nos trouxe. E assim entramos na dimensão mágica que a voz do Krenac nos propõe, onde um rio é seu avô, um rio que está sendo velado depois de morto, até que um dia os espíritos, quem sabe, o ajudem a reviver, onde as pedras são parentes, onde homem e natureza se fundem, porque somos apenas uma variação de milhares de formas de vida. Krenac desnuda o absurdo que é a nossa “humanidade” depredadora, genocida, e nos fala de outra humanidade, a que vive nas beiradas, nas margens, dentro das florestas, a que é invisível, sem voz e que possui outra maneira de dizer o mundo, a vida. Krenac nos mostra a nossa verdadeira face: zumbis, consumidores, autômatos, buscando como cegos o sentido da vida, quando o sentido da vida é a própria vida. Krenac nos chama para que reavivemos a chama sagrada da lucidez, para que recusemos o que essa ” humanidade” nos propõe: a destruição da Terra, das montanhas, dos rios, das florestas, das vísceras da terra, até que nada sobre e o céu caia sobre nós. Para que isso não aconteça, que se construam outros caminhos, outra escuta para outras vozes. Paula, nossa leitora de Brasília, nos contou de sua tataravó índia, raptada: “Ô povo querido, sinto muitas saudades …. Sinto-me também transpassada e tocada pela leitura de ” Ideias para adiar o fim do mundo”, de Ailton Krenak. Há muito não me sentia tão capturada por uma leitura, que testemunha a vida de povos que possuem uma forma tão singular e respeitosa de habitar a terra. Enquanto vivemos com a vida em estado de suspensão e morte em função da pandemia, Krenak é testemunha viva de um modo intenso de viver no agora, e assim ” adiar o fim do mundo”. Mas, hoje, vou me prender no miúdo de minhas histórias. Minha tataravó era índia, que fugiu com um branco, nas beiradas da cidade de Campina Grande, na Paraíba. Nunca se falou disso na família, não era um assunto comentado, fazia parte das histórias familiares silenciadas. Para ter sua história tão sufocada, sempre imaginei o quanto ela, minha tataravó, foi sufocada e maltratada. Agora entendo mais ainda as razões. Além do preconceito já sabido, Krenak expressa a força da vida dos povos indígenas e toda a potência simbólica, estética e política que essa forma de viver na terra tem para balançar, desnortear e até derrubar nossas estruturas colonizadas e eurocêntricas. Em uma entrevista feita a Kreinak, perguntam: ” O que o índio pode ensinar para o branco?” E ele responde: ” O que ele quiser aprender!” Jiddu, lindamente mestiço, nos falou de sua origem indígena por parte de pai e como o pai lhe ensinou a escutar tudo, as panelas, os postes, a terra, o fogo, porque tudo fala. E a energia que houve neste encontro, cada um em sua casa, gente de longe, de Goiânia, S.Paulo, Brasília, Visconde de Mauá, Ceará, Tel Aviv, era um rio caudaloso, vivo, serpenteante. Cada depoimento maravilhoso, pura emocão. Cristiano Mota cantou. Ana Cristina cantou. Nati falou seu poema. E Edith fechou nosso encontro lendo um trecho do seu livro Tempo de Aldeia. Nosso próximo encontro será com Conceição Evaristo, Olhos D’Água. Assim completamos a trilogia de vozes de sobreviventes de genocídios. Anne Frank, com seu Diário, morreu, mas não morreu, porque sua voz está viva e chega límpida e potente para denunciar o nazismo. Krenac é a voz mais bela que, penso, temos hoje, sobrevivente do genocídio indígena em curso desde 1500, acirrado por um Governo disposto a levar este projeto de destruição até a solução final. E Conceição nos traz com sua voz o genocídio dos ancestrais africanos, mesmo quando não fala disso, pois, nos ensina Krenac, somos também a história dos ancestrais. Os africanos foram arrancados de suas terras para sempre, despojados de tudo, do nome, da língua, brutalizados, humilhados, assassinados. Conceição nos traz com sua voz o genocídio de talentos no Brasil, quando não oferece educação pública de altíssima qualidade. Nós, leitores pensantes e lúcidos abrimos nossos para- quedas coloridos e tentamos voar e segurar o céu.

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Hoje aconteceu o encontro virtual do Clube de Leitura da Casa Amarela: SUMCHI (AMÓS OZ) E EXERCÍCIOS DE AMOR, (ROSEANA MURRAY) ou DESARMAR O DESAMOR Hoje, dia 18 de abril, do ano de 2020, ano da Pandemia , seria o dia do nosso encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela. E foi. Mas pelo zap. Sem imagem. Mas aconteceu da maneira mais bela. Tinhamos duas horas. Eu cheguei e propus uma organização. Chamaria as pessoas uma por uma e elas gravariam o seu depoimento. Então comentaríamos digitando. Os livros escolhidos para este encontro foram: Exercicios de Amor, de minha autoria e Sumchi do Amós Oz. Começamos com Andressa, que nos saudou com um agradecimento muito emocionado pela existência do Clube. E falou da maravilha que foram estes dois livros de amor numa hora tão dura como esta. Eu e Amós Oz fomos chamados de profetas. Ela disse que sempre sonhou ir a Jerusalém e quase podia tocar em suas pedras. Os comentários continham o mesmo teor de emoção. Jiddu gravou falando o quanto Sumchi trouxe a sua própria infância, ele se viu no menino e seus sonhos de fuga. Cristiano falou que meus contos de tão simples e delicados lhe lembravam os exercícios que Bach fez para sua esposa, exercícios fáceis e singelos. Paula nos enviou de Brasília um texto dizendo o quanto estes livros traziam a memória da sua infância. Mariani nos disse que este tempo que estamos vivendo é o tempo de resgatarmos o que é essencial, já que antes, na vida corrida e barulhenta, não nos escutávamos. Maria Clara destacou no Sumchi a sua bicicleta de menina, embora fosse menino, com a sua cuidadosa e incrivel leitura, como sempre. Ana Cristina leu um trecho do conto Bertha do meu livro e nos deixou maravilhados com a sua leitura. Delma, Maristela, Natally, Ângela, Chico, todos os depoimentos eram emocionantes, emocionados e estávamos todos embarcados na grande Nau do Amor e encharcados com a voz do outro. O Clube hoje, cada um em seu ninho, esteve junto no abraço mais belo de que já tive notícia.

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Neste ano de 2020 o cumpre 10 anos de encontros contínuos. A cada dois meses celebramos: a literatura, os aniversários dos leitores, nossos sonhos, a vida. Hoje, por ser o primeiro dos muitos encontros que teremos , por festejarmos estes 10 anos, havia uma alegria quase sólida. Lucas, o bebê de 7 meses, filho da Bruna, esteve presente pela primeira vez e junto com Maria Rita, filha de Delma, eram a cor mais linda do nosso arco-íris. Maria Rita brinca sozinha durante horas! O livro Ato, Prólogo, Epílogo, da Fernanda Montenegro não poderia ter vindo numa hora mais maravilhosamente propícia: Uma aula de Brasil, desde as origens da Fernanda, filha de imigrantes, passando por toda a história do Teatro, os grandes atores, autores, diretores, companhias. Pudemos falar das imigrações, e obrigatoriamente falar da escravidão. Felizmente nosso grupo não é só de brancos. Falamos dos Subúrbios que no começo do Século XX, eram aprazíveis, cheios de chácaras, árvores, hortas e hoje estão absolutamente degradados. Falamos de como Fernanda carrega a sua história com humildade, as lições que aprendeu, de força e superação. De como durante toda a sua vida não fez nenhuma concessão, antes de tudo, sempre, era a arte. Assistimos maravilhados ao auge do teatro e do cinema, das grandes, divinas atrizes. Passamos pelo filme Central do Brasil, a cara do Brasil. Juan contou que a sua primeira entrevista quando chegou aqui, foi com Fernanda Montenegro. Ela lhe disse : ” Sabe qual a diferença entre um europeu e um brasileiro? O europeu se envergonha de dizer que está feliz. O brasileiro não.” Mas o Brasil mudou de cara. Passamos por tantas coisas neste livro, Getúlio, construção de Brasília, ditadura, Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma, mas como poderíamos imaginar que desembocaríamos neste tempo onde artistas são vilipendiados, humilhados? Onde, depois de mergulharmos nesse tempo de construção incessante que nos narra Fernanda, mergulharíamos nesse tempo de pulsão de morte? Mas se Fernanda, com uma vida imensa na bagagem, com todos os reveses que sofreu, ainda está de pé e no teatro, temos, em seu nome, a obrigação de não desistir. O Clube de Leitura da Casa Amarela, mais uma vez foi o ponto de encontro de uma linda tribo da sensibilidade. Jiddu trouxe o seu sebo para cá, cheio de livros excelentes. Veio gente do Rio, de Cabo Frio, de S.Gonçalo, de Teresópolis e Brasília. Vida longa aos aniversariantes de Janeiro e fevereiro, Ângela, Fernando, Samuel e Jiddu. Vida longa ao Clube de Leitura da Casa Amarela. PS: pela primeira vez será lido um livro no Clube de minha autoria: Exercícios de Amor, Ed. Lê e também Sumchi, do Amós Oz. O encontro será no dia 18 de abril.

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Hoje mergulhamos no mundo cigano, na Andaluzia do Século XVIII, no âmago desse povo nômade e perseguido, quase inteiramente destruído , sobrevivente de chacinas, encarceramento, expulsões e sempre com a liberdade como bandeira e com sua música e dança como alimento. O livro é teatral ao extremo e seus personagens apaixonantes. A escrava Caridad, a menina Milagros, o velho Melchor, a curandeira Maria, o Frei Joaquim, cada um exercendo um papel impressionante nesta trama folhetinesca. Muitas questões foram colocadas: Um dos clãs, os Vegas, não se entregaram aos “payos” para garantir a sua sobrevivência. Mas os Garcías de certa maneira se assimilaram e traíram as suas raízes . É válido fazer esse pacto? Até onde se pode ir? No livro há de tudo: Um cenário histórico maravilhosamente documentado, a sujeira, a hipocrisia da Igreja, dos nobres, a corrupção. Paixões, amizade, lealdade, traição, vingança, roubos, assassinatos, contrabando. E um amor tão belo quanto improvável de uma ex escrava com um velho cigano. Todos amaram o livro. A história dos ciganos representa, de alguma maneira, todas as perseguições aos “diferentes” Muitos leitores tinham alguma memória da infância onde os ciganos se faziam presentes. O cenário do Clube hoje era luxuriante. Um lugar belíssimo na zona rural de Saquarema. Recebemos novos leitores, grande alegria. O grupo, tão diverso, é um luxo. Os anfitriões eram impecáveis em sua gentileza. E o almoço divino. O próximo encontro será dia 1 de fevereiro e o livro será Prólogo, Ato, Epílogo, de Fernanda Montenegro.

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O Clube de Leitura da Casa Amarela hoje foi a Marte. Nosso foguete era o livro Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury, que indiquei por muitos motivos. É uma belíssima premonição deste nosso tempo, tantos anos antes de que a nossa sociedade capitalista de consumo atingisse esse grau alucinado de destruição dos recursos do planeta. Todos acharam que o livro era difícil, que para entrar era preciso um grande esforço e quase sempre uma segunda leitura. Em algumas crônicas dessa colonização de Marte pelo Sapiens, a beleza da linguagem nos leva a uma emoção imensa, há que caminhar pelas páginas com cuidado. Bradbury consegue criar um contraponto impressionante : o requinte, a sofisticação, a sensibilidade de um povo, que, como sublinhou uma das leitoras, é quase pura luz, com a grosseria e o ímpeto de destruição dos humanos colonizadores. Esse contraste nos coloca na posição incômoda de nos olharmos no espelho e nos reconhecermos. O autor está falando de Marte, mas está falando do europeu chegando na América e na África para se apossar e destruir. Está falando do Império e de colonizadores e de morte e destruição. De crônica em crônica, ao chegarmos na última linha, debruçados sobre um canal marciano de águas translúcidas, podemos pescar esperança. Quem sabe depois de tanta destruição possamos recomeçar. O encontro entre pessoas que amam livros é sempre uma dádiva e a leitura se expande, se enriquece, se alarga. O encontro de pessoas que amam livros é quase como ver Marte intacta outra vez. Crônicas Marcianas acorda o silêncio que existe em nós, o respeito por quem não sou eu, o desejo de que possamos reconstruir o nosso mundo que se estilhaça. Preservar o que resta. Lemos belos poemas do Octavio Paz para fechar o encontro. E dividir o pão, o vinho e a comida é o mais belo ritual. PS: O próximo encontro será no dia 23 de novembro e o livro é A Rainha Descalça de Ildefonso Falcones.