Vera Teixeira de Aguiar

O FARDO POÉTICO DE ROSEANA MURRAY   Vera Teixeira de Aguiar   RESUMO No panorama da poesia infantil e juvenil brasileira, destaca-se Roseana Murray (1950), responsável por uma obra contínua iniciada em 1980, com mais de 100 livros de poesia para crianças e jovens. Ao longo de sua carreira, dedicada inteiramente ao fazer poético, é condecorada com inúmeros prêmios literários, também fazendo parte da Lista de Honra do International Board on Books for Young People/IBBY, que abriga os melhores autores de literatura infantojuvenil do mundo. Todas essas láureas nos permitem avaliar a dimensão de seu trabalho que, de há muito, vem atravessando fronteiras.   ABSTRACT In the panorama of Brazilian literature for young people, Roseana Murray (1950) is a reference; she has been writing nonstop since 1980 and has over 100 poetry books for children. She has dedicated her life to poetry and has gained recognition with several awards; also, she is part of the Honor list in the International Board on Books for Young people / IBBY, which takes on world’s best authors in the segment. Such accomplishments allow us to asses the dimension of the author’s work, which has reached broad horizons for some time.    Quando Roseana Murray (1950) estreia na literatura, a poesia destinada a crianças e jovens já conta com uma experiência de quase um século no Brasil. Embora o primeiro livro de grande sucesso seja Poesias infantis, de Olavo Bilac (1865-1918), publicado em 1904, antes dele, nas últimas décadas do século XIX, já aparecem exercícios poéticos, como elogios, conselhos e cumprimentos por datas festivas, conforme lembra Luís Camargo (2009). Ainda vale citarmos Flores do campo, de José Fialho Dutra (1855 – ?), editado em 1882, que, em sua introdução “Ao benigno leitor”, acentua a intenção de oferecer temas cívicos, escolares, religiosos e sentimentais, em tom acentuadamente educativo. À normatividade desses textos, certamente, os versos lúdicos de Bilac se opõem, agradando deveras à infância, embora entre eles se misturem ainda aqueles que visam incentivar boas atitudes por meio da poesia.  No entanto, o ritmo cadenciado da redondilha maior e as imagens familiares típicas de Bilac caem no gosto dos pequenos, que repetem os versos de “O trabalho”:   Tal como a chuva caída Fecunda a terra, no estio, Para fecundar a vida O trabalho se inventou. (p.115)   A partir de então, o gênero oscila entre as duas vertentes – pedagogismo e preocupação estética – com vantagens para a primeira, obstinada em ensinar e transmitir valores às novas gerações. A situação começa a mudar em 1943, com O menino poeta, de Henriqueta Lisboa (1901-1985), que privilegia o olhar da criança e o caráter lúdico do fazer poético.  Em versos curtos e animados, a autora aproxima-se da infância:   O menino poeta quero ver de perto quero ver de perto para me ensinar as bonitas coisas do céu e do mar. (p.39)   Cecília Meireles (1901-1964) consolida tal visão em 1964, quando Ou isto ou aquilo resguarda todas as conquistas de inventividade e liberdade da arte instauradas pelo Modernismo em décadas anteriores. Nesse sentido, o livro infantil mantém a temática intimista da poeta, que cultua a fugacidade da vida e a espiritualidade, acentuada, conforme aponta Miguel Sanches Neto (2001), mesmo através dos motivos infantis, como vemos em “O vestido de Laura”:   Que as estrelas passam, borboletas, flores perdem suas cores.   Se não formos depressa, acabou-se o vestido todo bordado e florido! (p. 44)    Seguem-se outros autores consagrados, como Mário Quintana (1906-1994), que faz sucesso em 1968, com Pé de pilão, cujos versos lúdicos e bem cadenciados estão até hoje no gosto do público, e Vinícius de Moraes (1913-1980), que, em 1970, reúne seus poemas dispersos na conhecida obra A arca de Noé, que recebe, inclusive, versão musical. Desde então, uma gama considerável de poetas tem se dedicado a tal produção, no esforço de criar sons, ritmos e imagens que expressem os modos de ver e sentir o mundo dos novos leitores. Desse panorama, avulta Roseana Murray, nascida em 1950, no Rio de Janeiro, filha dos imigrantes poloneses Lejbus Kligerman e Bertha Gutman Kligerman, que vêm para o Brasil antes da Segunda Guerra fugindo do antissemitismo. Responsável por uma obra contínua iniciada em 1980, ela é autora de mais de 100 livros de poesia para crianças e jovens. Graduada em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de Nancy, por meio da Aliança Francesa, dedica-se inteiramente ao fazer poético. É condecorada, ao longo de sua carreira, com os Prêmios: Associação Paulista de Crítica de Arte/APCA, na categoria “Poesia Infantil”; “O Melhor de Poesia” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil/FNLIJ (por quatro vezes); Prêmio Academia Brasileira de Letras/ABL para “Livro Infantil”. Recebe, ainda, por diversas vezes, o selo “Altamente Recomendável” da FNLIJ. Também faz parte da Lista de Honra do International Board on Books for Young People/IBBY, que abriga os melhores autores de literatura infantojuvenil do mundo. Todas essas láureas nos permitem avaliar a dimensão do trabalho de Roseana que, de há muito, vem atravessando fronteiras. A escritora afirma que, ao começar, não teve em vista escrever diretamente para os pequenos, mas, de certa forma, são eles que se identificam com seus poemas. Na verdade, sua ampla obra pode ser lida por todas as idades. Contudo, os projetos editoriais de seus livros, ricamente ilustrados por artistas reconhecidos, têm apresentação impecável para o público infantil e juvenil. Alguns títulos contam com reedições que ganham novos formatos, incluindo um trabalho gráfico e imagético mais atualizado esteticamente. O primeiro livro de Roseana é Fardo de carinho, publicado em 1980 pela Editora Murinho e reeditado em 1985 e 2009, com ilustrações de Elvira Vigna. Eis a estrofe de abertura: Vaga-lume lume lume ilumina meu caminho que eu carrego um fardo de carinho (s.p.)   O volume já traz, em seu título, a concepção de poesia da autora, que faz um jogo antitético de sentidos: “fardo” é um volume pesado, algo difícil de suportar que, por extensão, implica responsabilidade e cuidado; “carinho”, por sua vez, significa afeto, delicadeza,

E.M. Dilza

Vou começar a manhã pelo final: Um almoço coletivo na E.M. Dilza, escola rural em Jaconé/ Ponta Negra/ Maricá. Famílias, professores e alunos, todo mundo misturado, ali, naquele mesmo espaço onde tantas manifestações artísticas aconteceram: música, teatro, poesia, dança. O palco foi desarrumado e as mesas foram trazidas e arrumadas com a ajuda de todos. As crianças da quarta e quinta série dessa Escola Rural Integral estiveram o ano inteiro em contato com a minha poesia. As apresentações foram cheias de alegria. Feito os girassóis do Van Gogh que as crianças pintaram e que cobria uma parede da escola. A escola tem aula de capoeira para todos e deram um show! É um Cabo da Polícia que é o Mestre e é adorado. Muitas crianças haviam estado num Café, Pão e Texto comigo e foi maravilhoso revê-los. Tantos abraços e tanto carinho. A E.M.Dilza tem uma Sala de Leitura que este ano recebeu meu nome. Tem um Ateliê de Arte. Tem um combinado lindo entre a Diretora Raquel e todos os alunos: A escola não precisa castigar. Todos possuem deveres e direitos e quem não cumprir deveres perderá direitos. É uma escola viva, onde a leitura é quem puxa a carruagem. Os alunos gostam de ler, sabem ler muito bem e a escola ensina a pensar. Cada vez que encontro uma escola pública que faz a Educação para a vida, agradeço. Elas existem. Agradeço imensamente a Lenilsa Matos essa manhã maravilhosa. O amor das crianças foi uma cachoeira de amor.

Meu poema em Libras. Nas mãos de um poeta. Guilherme Aniceto.

“A alma é invisível, um anjo é invisível, o vento é invisível, o pensamento é invisível. E, no entanto, com delicadeza, pode-se enxergar a alma, pode-se adivinhar um anjo, pode-se sentir o vento, pode-se mudar o mundo com alguns pensamentos.”

Colégio Estadual Desembargador Augusto

Passei a manhã no Colégio Desembargador, em Rio Bonito. É um Colégio Estadual imenso e vivo. Com mais de 1.200 alunos. Falei para 250 alunos e alunas do curso de formação de professores. Eles e elas arrumaram um cenário belíssimo, um caminho de plantas até o palco. Musicaram e cantaram alguns poemas. Falaram alguns poemas. Para começar li um poema do Carteira de Identidade e todos gritaram seu nome bem alto para o Universo ouvir. Chamei 3 pessoas ao palco. Perguntei o que para elas era um poema. Três respostas lindas. Uma delas disse que num poema você pode dizer o que não consegue dizer. Outra disse que um poema mexe com tudo o que se tem dentro, com o lado obscuro da alma. E a outra que um poema mexe com as emoções. Vaneli Chaves me apresentou como um oásis. Então eu falei da beleza que a palavra oásis carrega, de como precisamos ter uma reserva de oásis para momentos difíceis, para conseguir atravessar os desertos. Falei da beleza de algumas palavras. E pedi que me ofertassem palavras. Foi uma guirlanda de palavras maravilhosas, amor, amizade, paz e alguém, um rapaz gritou resistência. E sim, a poesia sempre é resistência. Então conversamos sobre muitas coisas. Eles e elas fizeram perguntas incríveis, plantaram ao vivo um vaso de plantinhas, ganhei uma orquídea e tomamos o mais belo café da manhã juntos. Eles e elas me encheram de esperança.

Café, Pão e Texto

Havia chovido muito de madrugada. Acordo sempre muito cedo. Com uma xícara de café nas mãos comecei a fazer o pão, a broa, o kibe… os bolos já havia feito ontem. Vanda Oliveira e Samuel chegaram, meus anjos. A mesa de café da família já estava preparada. E aí, depois de tomar café, Samuel me pergunta: – O encontro vai ser na varanda? Farejei o vento, a chuva era quase garoa, dava. Samuel arrumou o cenário. Arrumei a mesa. Coloquei todos os quitutes De repente desabou uma cachoeira e o vento enlouqueceu. Mudamos tudo para dentro. Recebo uma mensagem. Marcelo Pimentel diz que está em Saquarema com a mulher Pilar e gostaria de me visitar. Eu os convido para o encontro, sem me dar conta de que ele é o super premiado ilustrador. Logo eles chegam e são um casal lindíssimo ele e Pilar. Eu havia escrito um texto para o seu maravilhoso livro O Fim da Fila. Ele me trouxe de presente o livro A Flor do Mato, recentemente premiado na Rússia. Falamos de livros. Falar de livros virou signo de Resistência. Então as professoras e um professor chegaram, de Mesquita. Da Creche Municipal Tetracampeã. E foi tudo maravilhoso tintim por tintim. Começou com a mesa do café e foi tudo poesia e amor. Contei pra elas tantas coisas. Falamos de Educação, Leitura, Escola Pública. Paz. Delicadeza. Dos dons de cada um. Falei muito. Elas e ele me emocionaram demais. Ganhei um presente esplêndido que elas arrumaram com um requinte impressionante: Um saco grande de juta amarrado com uma corda onde havia três pérolas. Dentro do saco um pacote do mais maravilhoso café em grãos, uma xícara lindissima, um pacote de biscoitos artesanais. Meus leitores sabem que amo café, isso é público. Mas como elas sabiam que eu amo juta? Quando adolescente as minhas bolsas eram feitas de juta. Amo pérolas. No final de muitos poemas e brincadeiras, a chuva havia parado e pudemos fazer a foto no jardim. E Marcelo e Pilar puderam conhecer o Café, Pão e Texto.

E.M. Professor Achilles Almeida Barreto

Difícil escrever sobre o que aconteceu hoje na Escola Municipal Professor Achilles Almeida Barreto, em Cabo Frio. Desde março que as 500 crianças, de primeira até a quinta série, estão mergulhadas em muitos dos meus livros. As crianças puderam, através dos meus poemas, falar dos seus sentimentos mais profundos. Puderam entrar na cozinha e experimentar receitas e recolher receitas. E brincar de circo. E falar do mar. E as avós foram até a escola e ajudaram a montar a Casa da Avó. Escreveram, leram, criaram. Através dos meus poemas abriram a grande porta da imaginação e todos viraram escritores e artistas. As mais lindas instalações com o tema dos meus livros foram fabricadas. Hoje, a Feira do Livro era um dia de festa. E mais do que nunca há que celebrar o livro e a sensibilidade. Mais do que nunca o trabalho da Prica Motta deve ser louvado e o de todas as professoras e da Diretora envolvidas nesse ano de mergulho na poesia. Uma professora me contou: Os seus alunos leram Tantos Medos e Outras Coragens e puderam falar dos seus medos, que são muitos e das suas coragens. E um lhe disse: “Eu tenho coragem de um dia ser Professor!”

Sala de Leitura Roseana Murray

Hoje foi dia de festa na Sala de Leitura que leva meu nome, na ,E.M Clotilde de Oliveira Rodrigues, em Sampaio Correia, em Saquarema. Qual o motivo? Amor! Estavam querendo ver a pessoa que dá o seu nome para o lugar, que segundo eles e elas, é o paraíso da escola. Já na chegada um menino era o meu anfitrião e tive que passar por um corredor de crianças e jovens que cantavam para mim. Dentro da Sala de Leitura, que é linda, crianças declamaram meus poemas com fantasias, recebi corações com as mais belas declarações, declamaram seus próprios poemas. Depois fomos para a Sala de Multimeios, onde estava reunido o Clube de Poesia. A porta estava pintada de azul com uma janelinha amarela, com o número da minha casa. Estava fechada. Bati na porta. Abriram. E aí quase morri de emoção: fizeram instalações belíssimas com os meus livros. Cada espaço mais lindo que o outro. Três meninas estavam fantasiadas de três velhinhas tão velhinhas. Foi uma viagem incrível ao universo da minha poesia! Na hora de ir embora um grupo me agarrou e foi o abraço coletivo mais maravilhoso! Ninguém queria me largar!!! E por causa do livro Colo de Avó e Caixinha de Música, ainda ganhei uma miniatura de caixinha de música que é uma máquina de costura. PS: As crianças leram os poemas SUPER BEM!!! E estavam radiantes de felicidade.

Clube de Leitura da Casa Amarela

O encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela é sempre uma festa. Uns chegam, outros somem, alguns voltam, mas o Clube resiste desde 2010 e é sempre maravilhoso estarmos juntos em volta de um ou dois livros. Os livros indicados eram De Repente nas Profundezas do Bosque, de Amós Oz e Momo, de Michael Ende. Os dois livros se entrelaçam. Intolerância, exclusão, medo, culpa, na belíssima fábula do Amós Oz, tema mais do que urgente. Em Momo, toda a questão da escuta e do tempo. Os dois livros são atualíssimos. Nos dois são as crianças que podem nos resgatar. Os livros foram amados por todos, lidos, relidos, sublinhados e são tesouros que jamais nos abandonarão. Além dos temas, a escrita das duas fábulas, cada autor com seu estilo, são puro deleite. Uma fábula tem o dom de ser atemporal. Se “de repente nas profundezas do bosque” trabalha completamente no simbólico, nessa aldeia de onde todos os animais foram embora, e os personagens são, cada um, preciosos, em “Momo”, tudo se passa na cidade e o que são os homens cinzentos, o que representam, fica por conta de cada leitor. Pedi que cada um trouxesse um poema sobre o tempo, de qualquer poeta. Trouxeram Cecília, Fernando Pessoa, Neruda, Drummond, Rubem Alves e até Roseana Murray. E o almoço que a Vanda Oliveira preparou no fogão de lenha era pura poesia! E os vinhos, a torta dos aniversariantes, a champagne, a música do mar, tudo era amor e dádiva. A todos os que aqui estiveram e vieram de perto e de longe, agradeço tanto! Aos que não puderam vir o meu desejo imenso de que possam estar aqui no dia 8 de dezembro com O Livro dos Abraços, do Eduardo Galeano e um poema do Juan Gelman. Em tempos incertos, só a amizade e a literatura, o aconchego dos abraços pode nos consolar.