Às vezes um livro inacreditavelmente belo, de repente, chega em nossas mãos.
O encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela com O Som do Rugido da Onça de Micheliny Verunschk quase não pode ser contado em língua de gente.
Micheliny, como historiadora e poeta, nos leva até o princípio do mundo, nas tradições indígenas, nos leva até a Munique do Século XIX, a bordo das duas crianças que sobreviveram a una viagem terrível, embarcadas como coisas por dois cientistas, junto com espécimes da fauna e flora da Floresta Amazônica, para serem exibidos diante dos europeus. Micheliny sabe que o tempo é um contínuo e nos traz de volta até hoje, dentro do corpo e da mente de Josefa, que num susto, ao ver a imagem das duas crianças, uma Juri e a outra Miranha, numa exposição, se desloca até as suas raízes profundas. Vai buscar a sua onça. Ouve o seu rugido atravessando o tempo.
O livro levanta um leque impressionante de questões e ao mesmo tempo somos mergulhados numa escrita que é de beleza e sonho, totalmente onírica, testemunha dos milagres que se pode fazer com a linguagem.
E então entendemos a língua da onça, a língua dos rios. Micheliny consegue traduzir sensações e miragens, com tanta força, que é como se viajássemos nas várias camadas de tecido do tempo, seda-veludo-algodão-dor-luz e sangue.
Nesse encontro virtual, sem imagem, apenas as vozes de cada um, como um sussurro, atravessava o espaço e nos contava como cada leitor viveu a experiência deste livro fascinante.
A autora esteve presente. Participou do encontro.
Houve música, memórias, num ritual que se repete a cada dois meses em torno de um livro.
A literatura como banquete.
E levaremos para sempre o som deste rugido da onça, essa força necessária para vivermos o presente.
Roseana Murray