Uma vez por ano, no belo mês de dezembro, com os flamboyants floridos, o Clube de Leitura sai da Casa Amarela em caravana e joga as suas âncoras na Quinta da Harmonia, linda Chácara na zona rural de Saquarema, e somos recebidos por dois anfitriões esplêndidos.
O livro a ser discutido era A Muralha de Dinah Silveira de Queiroz.
A manhã era azul e fresca, um vento-carícia varria a nossa pele na varanda, com a lagoa em nossos olhos e a vegetação luxuriante. O cenário era perfeito.
Comecei lendo o primeiro parágrafo e destaquei os meus assombros com o livro:
1- nunca havia lido num romance com escravizados indígenas e negros trabalhando no mesmo lugar, nesse princípio de Brasil.
2- a complexidade dos personagens é um susto.
E então passei a palavra, éramos umas vinte e cinco pessoas, e como uma vela que se acende e tremula, iluminando pedaços do aposento, cada participante trouxe a sua própria luz e fomos puxando os inúmeros fios da narrativa. O livro é de uma solidez monumental e de tanta violência e beleza.
A “reinol” Cristina parece ser a personagem principal, ou o fio condutor, já que o livro começa e termina com ela, que não cabe em lugar nenhum, como foi dito.
Às vezes algumas passagens nos trazem um pouco do onírico de Gabriel Garcia Marquez, às vezes algum eco do Grande Sertão, apesar de Guimarães Rosa o ter publicado depois.
As mulheres são de uma força descomunal. O foco passa das mulheres para os homens, da poesia para a brutalidade. O leitor, enredado pela trama, não consegue parar.
Aí estão as sementes do Brasil atual. As sementes do capitalismo selvagem e destruidor.
Aí está a raíz do nosso racismo estrutural, do abismo social, do genocídio indígena. Aí está o colonizador, na figura de Cristina, com seu ar de superioridade.
E as Entradas e Bandeiras, que matavam, estupravam, que em meus livros de escola, eram heróis, viram gente de verdade. Assistimos a Guerra dos Emboabas, com suas emboscadas e traições e na última linha, fechado o livro, entendemos mais o nosso país.
O Clube de Leitura da Casa Amarela amou o livro A Muralha, que foi escrito na década de 50 em fascículos antes de virar livro, que foi série da Globo, e que nos emocionou até a medula, neste final de 2023.
Um almoço esplêndido nos lembrava os banquetes do livro. E este dia ficará para sempre em nossos corações.