Água de Barrela, de Eliana Alves Cruz, foi o livro escolhido e lido e discutido no Clube de Leitura da Casa Amarela.
O livro é magnífico e a gente chora e aplaude a força das mulheres nesta genealogia de uma família que começa na África, passa a Escravidão e segue depois da Abolição, o dia seguinte e o dia depois do seguinte até hoje.
É a história das famílias pretas, sequestradas, torturadas, dos corpos pretos abusados, aniquilados e das famílias brancas, como pano de fundo da crueldade dos Senhores.
É a História do Brasil descortinada. Que já sabemos que continua o seu ciclo de racismo, crueldades, assassinatos.
Ao desembarcar dos tumbeiros, negros de várias etnias misturadas, logo perdem o nome e ganham à força um novo nome: são despojados da sua identidade. A Igreja é cúmplice desde o princípio. Eles são convertidos sem possibilidade de escolha.
Os Orixás tinham que ser cultuados secretamente.
E mesmo na extrema despossessão de tudo, havia alegria nos amores, nos nascimentos, nas festas dos terreiros secretos.
O livro consegue nos encher de cheiros, paisagens, sensações de pertencimento. A escrita é maravilhosa.
A força de resistência das mulheres negras é monumental. O livro fala de um matriarcado.
Os depoimentos foram esplêndidos e o racismo estrutural, que persiste feito doença, vírus quase incurável, foi discutido até o âmago. Discutimos também a mestiçagem, tema complicadíssimo no Brasil, já que a mestiçagem existe porque o corpo da mulher escravizada pertencia ao senhor branco e as jovens negras eram violentadas, e a “barrela” é a metáfora de um desejo de embranquecimento do Brasil e muitas vezes prevalece ainda até dentro de famílias negras. Neste caso embranquecer para ter acesso, passagem.
Relembrando Abdias Nascimento, que ao negro liberto havia como único “privilégio” tornar-se branco, seja de dentro para fora ou de fora para dentro, por meio de seu tom de pele mais claro.
Mas, a consciência negra emerge cada dia mais forte. A escrita negra cada dia nos oferece novos e belíssimos talentos.
Água de Barrela deveria estar no Ensino Médio de todas as Escolas Públicas de todo o país como literatura e complemento aos livros de História.
Samuel, nosso jardineiro e anjo da guarda, deu o seu depoimento muito pessoal, como mestiço.
E Vanda fez a melhor feijoada do mundo no fogão de lenha e Liliam, sua filha, fez o melhor bolo de chocolate do mundo. Sempre cantamos parabéns para os aniversariantes e os desaniversariantes. Tivemos gente nova entrando no Clube e agora não cabe mais leitores , fisicamente, estamos com um número muito bom de pessoas incríveis.
Ao longo de tantos anos de tantos livros lidos, nos tornamos leitores melhores e pessoas melhores.
Patrícia Quinteiro, cantora e musicista, que veio de Teresópolis com caixa de som e microfone, deu um show, com direito a canjas e dançamos e nos abraçamos e rimos e celebramos a vida e a literatura com muito vinho e axé.