Joel Cardoso

POEMAS PARA METRÔNOMO E VENTO
Roseana Murray – Guaratinguetá: Penalux, 2018, 110 páginas.

Roseana Murray, minha poeta maior…

Estou em falta com você.

Recebi, há já alguns dias (alguns dias?… que ironia!… já se passaram mais de 30 dias), pelo correio, o livro que me enviou.

Cada livro seu é um presente… presente dos deuses…

“… o que não pode / ser dito, / onde carregar?” (“Entre as páginas”. p. 50.).

Vou tentar me redimir, me justificar… Como estava às voltas com a elaboração do meu MEMORIAL, para ascender ao nível de PROFESSOR TITULAR (que submeto à apreciação da banca avaliativa no próximo dia 2 de outubro), estive o tempo todo preocupado com esta (ingrata) tarefa. Tarefa, repito, ingrata e incômoda, tentando organizar meu caos interior, mesmo sabendo ser “Impossível arrumar / o caos por onde trafegam / as horas (“As horas”, p. 43).

Seu livro, seus poemas – que bom! -, foram um bálsamo que minimizaram minha ansiedade, meu atabalhoamento nesse percurso. Claro que cito você nesse memorial. Claro que transcrevo alguns de seus poemas. O poema “Ausência” (p. 62), por exemplo, abre a sessão em que relembro o ‘nosso’ Latuf. No embalo subjetivo que demarcam os passos dessa dança rememorativa, pareceu-me que o poema foi escrito para ele… Poemas não têm endereço… Nós os direcionamos… cada leitor se apodera deles amoldando-os às suas carências, às suas subjetividades, aos seus devaneios…

O poema se constrói de palavras indizíveis, estações que, ao aflorarem, redefinem, e alinhavam saberes necessários e insubstituíveis, dos quais nós, às vezes, nem mesmo suspeitávamos. Retirando da vida o que de essencial a nossa sensibilidade permite. Por que “… o poema se faz / com a vida que se vai / vivendo” (“Farinha e Aurora”, p. 82). De repente, ‘não mais que de repente’, perguntamo-nos: “De onde vem / essa linha fina / de costurar poema?” (p. 12). Vem dos anseios da alma, querida…

Criação primordial, a poesia se faz necessária. Se é alimento para a alma de quem a produz, se torna, de forma similar, essencial para quem lê. Somos atravessados e modificados pelos versos, aves canoras que, ao sair do corpo do poema, pousam mansamente em nosso ser. E sentimos que é como se sempre estivessem ali…

Através dos poemas tomamos consciência de instâncias que desconhecíamos, instâncias que não supúnhamos existirem em nós… instâncias que, sufocadas, reprimidas, abafadas pelos ritos do cotidiano, buscam espaço para, ao domesticar a nossa solidão, quebrar muros cerceadores do nosso interior… Não é que “a vida / não é tarefa / pequena, / às vezes é dor / e pedra! (“Pipa”, p. 17)?… No poema, os versos, ao se manifestarem plenos, alados, lírica e sonoramente, pousam de mansinho em nós…

Com a poesia desvendamos o que há de divino, o que há do sagrado-profano que paradoxalmente nos habita. Somos nós mesmos e as nossas sombras, as nossas regiões abissais dominadas, incorporadas… e somos, também, especularmente, o outro, em sua dimensão paralela… A poesia é o nosso registro de permanência no efêmero que se eterniza. Através dela, despimos as nossas mascaras, abdicamos dos nossos nomes, dos prenomes, dos pronomes… Reinventamo-nos… Conferimo-nos novos rostos, novas fisionomias e nos (a)firmamos, nos reconhecemos em todos eles… Buscamos novos sentidos, mais que isso, necessitamos deles. “Como desembaraçar / os fios, / os rios, / oceanos, / montanhas / as linhas do passado / e as teias do futuro?” (“Bagagem”, p. 57).

A precariedade da palavra nos abre portas, nos conduz às metáforas… metáforas que alteram a rotação do nosso universo…

Somos todos linguagem e escritura, signos e símbolos, realidades e devaneios, interligamos o efêmero à eternidade, soletramos alfabetos desconhecidos. Os poemas, ao se auto traduzirem, nos traduzem também. Textos que, numa teia interminável, remetem a outros textos. “Um verso simples, / sozinho, / não tece a manhã: / é preciso um galo / e um sol, / nas mãos um sonho / ainda sujo de estrelas / ainda sujo de infinito.” (“Um verso e outro”, p. 58).

Assim como o dia, festa que nos surpreende a cada amanhecer, ao se revelar em suas nuances, movendo as nuvens do nosso céu interior, a poesia nos encanta, nos comove, nos absorve, nos alimenta. Somos a mistura do que fomos, com aquilo que, no presente, nos tornamos… somos também as nossas expectativas futuras, os nossos desejos de agora entrelaçados às marcas, aos vestígios de um passado que insiste, persiste, resiste. “O passado / era essa água / estranha, / feita de tempo, / ilusão, / bruma fugidia” (p. 37), e, quase sempre, tão exigente, tão ali bem pertinho, de plantão…

Apaziguamos a noite dos nossos desejos… acendemos estrelas novas na nossa constelação eivada de desejos, povoada de ansiedades, modeladas pela amplitude da nossa solidão… E assim vamos nós “pelas ruas do tempo, / com as sobras, / o corpo abarrotado / de tudo o que pode / entornar no poema (“Sobras”, p. 38).

Presente, exigência do agora, a vida singra e sangra na estrada dos versos… as palavras redefinem os contornos da nossa existência, realidade e sonho, testemunho e negação da realidade.

Você personifica, para mim, a nossa poeta maior. Uma poeta que, despindo as palavras do sentido que as vestes do cotidiano lhe atribuem, confere novos sentidos a elas.

Seguimos sempre, por vezes, à nossa revelia, sabendo que “em algum lugar / o destino / prepara as suas / encruzilhadas” (!Encruzilhadas”, p. 61).

E isso é muito…

Com você, me permito voar… Sabendo que “Para alçar voo / um pensamento / basta…” (“Lição de Voo, p. 52).

Por isso eu a amo.
Obrigado por tudo…
Beijos n’alma

Joel Cardoso – Universidade Federal do Pará – UFPA