Quase que a escola não veio. E eu teria perdido uma das experiências emocionais mais impactantes da minha vida.
Na sexta-feira, a Professora Lenilsa me ligou dizendo que afinal não tinham conseguido o ônibus, será que eu não poderia adiar o encontro?
Disse que não, infelizmente, tenho muitas escolas querendo uma vaga.
Ela se desculpou e desligamos. Logo me liga outra vez e diz que a escola viria sim, alugariam um ônibus.
Eu não fazia a menor ideia de nada. Nem de que escola se tratava. Sabia apenas que era de Jaconé, mas já no Município de Maricá. Não mais Saquarema.
Acordei às 5 horas da manhã para começar a preparar tudo. Tomei café com os gatos, fiz o pão. Gosto que o pão ainda esteja quente na hora do café.
Às 9.10h um ônibus todo branco, antigo, ultrapassado, meio 1950, encostou no outro lado da rua. As crianças se arrumaram para uma foto com o mar ao fundo.
Fui até lá, ao seu encontro.
Depois da foto viemos juntos para a casa.
Já vieram me abraçando, me beijando. Eu fiquei no portão e dizia, podem entrar, sentem nos bancos e no tapete.
Recebi a Diretora, as professoras.
Eram 30 crianças. Nunca sei como vou começar. Mas então começamos pelo momento pipi.
Pedi ao Samuel que acompanhasse as crianças até a casinha de hóspedes do jardim, pois lá há um banheiro enorme, há um espelho enorme, além do passeio pelo jardim. É uma alegria.
Na volta, realmente tomo contato com aquelas crianças. Duas meninas lindas são apresentadas. São gêmeas. Fazem aniversário hoje: Raissa e Raiane.
Essas crianças são diferentes. Me contam os seus projetos. Amam ler. Fazem perguntas incríveis. Sabem coisas da minha vida. Possuem vocabulário, são donas das palavras.
São da quarta e da quinta série de uma escola rural:
E.M.Prof Dilza da Silva Sá Rêgo
Então falamos de bichos. Eles sabem muito dos bichos. Trouxeram um painel de pano pintado com meu poema A Morte do Sabiá, do livro Fardo de Carinho. Falamos de gaiolas, prisões, caçadas. Eles querem que eu fale como fiz esse poema, o que senti.
Falam de animais em extinção. Me contam que na lagoa há jacarés. Jacarés ou crocodilos? Um menino diz: Jacaré, crocodilos são da Austrália.
Falam com propriedade, lindeza, sabedoria.
Fazemos um intervalo para o café. Foi a mais linda dinâmica, algo tão amoroso, uma troca incrível entre as professoras e a Diretora e as crianças. Parecia uma dança, tudo fluia, flutuava, eles comiam como se come nuvens. Comiam com delícia e delicadeza.
Trouxeram biscoitos que prepararam na cozinha da escola junto com as merendeiras. Me dizem a receita tintim por tintim. Trouxeram um doce de maçã.
Havia uma criança especial, sorridente, integrada e uma mediadora só para ela.
Comemos e bebemos absolutamente tudo o que havia sobre a mesa: sanduíches, pão caseiro, biscoitos, tomate ralado, manteiga, mel, bolos, leite com chocolate, suco de goiaba, café. Não sobrou nenhuma migalha.
Era uma festa no céu. Um disse, esse pão é maravilhoso, vamos fazer na escola?
Voltamos para os lugares.
Então fizemos brincadeiras com meus poemas.
Cada vez que eu precisava de silêncio eu pedia para eles ouvirem o mar.
Falamos de paz e guerra, eles sabiam da Síria.
Leram em voz alta . Sabem ler perfeitamente, com sentimento. Leram meu poema do Classificados Poéticos, o do Habitante de outra galáxia.
Eles sabiam o que é uma galáxia.
Uma teia de amor une essas crianças.
Mas qual é o segredo?
A Diretora me conta que é uma escola de horário integral. Entram cedinho e saem às 17h, jantam na escola.
Ela me diz que tem tudo na escola. Biblioteca. Tem fantasias, ela me diz, tem espelho.
Tem investimento na escola e isso é visível, os resultados são muito impressionantes.
Crianças lendo fluentemente, com um vocabulário incrível, entendendo o texto perfeitamente, amorosas, sem nenhum clima de violência entre elas.
Trouxeram os poemas mais lindos que escreveram, inspirados nos meus.
Se uma escola pode funcionar assim e conseguir resultados assim, por que todas as escolas do país não podem ser assim? Por que os governos não escolhem educar assim como prioridade, como escolha de mudar o mundo?
Quero agradecer a Diretora Raquel e as professoras que acompanharam essas crianças lindas:
Lenilsa, Ana Rita, Jociene, Jacira, Cláudia.
Hoje fiquei abalada com o que vivi. Ainda estou abalada. Ficarei abalada para sempre.