Luana Raquel da Silva – Universidade Federal de Rondônia – Campus Vilhena

Receita de espantar a tristeza
(Roseana Murray)

Faça uma careta
e mande a tristeza
pra longe pro outro lado
do mar ou da rua
vá para o meio da rua
e plante bananeira
faça alguma besteira

depois estique os braços
apanhe a primeira estrela
e procure o melhor amigo
para um longo e apertado abraço.

O poema proporciona uma imagem de movimento: parece pedir certas ações internas e externas do leitor: as primeiras, interiores, como base para a realização das segundas, que por sua vez, são exteriores. Desenha-se um estado de humor que vai se alterando, ou que deve ser alterado, conforme as ações que devem ser feitas, a partir de um “passo-a-passo” para mandar a tristeza embora.

O conjunto de verbos no modo imperativo faça, mande, vá, plante, estique, apanhe, procure, parece marcar a função conativa da linguagem eaponta uma série de ordens ou conselhos, traço linguístico comum em receitas (textos instrucionais).

As estrofes – versificadas sem pontuação – se posicionam obedecendo à ideia de gradação, apresentando ideias de ações internas (mandar a tristeza embora) e externas (ir para o meio da rua e abraçar um amigo). Pode-se pensar que elas funcionam como grandes (or)ações principais, responsáveis por gerar o que vem adiante, não permitindo que as ações sejam independentes ou que sejam trocadas de lugar: para a receita surtir efeito, as ideias (estrofes) devem obedecer à regra de estarem umas após as outras.

Embora haja, explicitamente, apenas um advérbio de tempo no poema (depois, no primeiro verso da terceira estrofe), é perceptível a presença implícita de outros, sublinhando ainda mais a sensação de ordem, de gradação das ações, como sugerido a seguir:

Primeiro¹, faça uma careta
depois, mande a tristeza pra longe
pro outro lado do mar ou da lua
agora, vá para o meio da rua
e plante bananeira, faça alguma besteira
Depois², estique os braços e apanhe a primeira estrela
Por fim, procure o melhor amigo
para um longo e apertado abraço.

A noção de movimento em “Receita de espantar a tristeza” é formada nítida e gradativamente; contudo, não apenas a partir dos verbos ativos, mas através de todo o conjunto de escolhas estilísticas.

Para se contrapor à organização gradativa do poema, analisa-se agora, por último, o título (que é o começo): ele aparece como índice de um “modo de fazer” que independeria de ações subjetivas, quando, na realidade, parece desafiar quem recebe a “receita”, convidando o receptor a ser o ingrediente principal. Movimentar-se dentro de si, no mundo e para o outro é, no fim, a receita de espantar a tristeza.

¹ Os advérbios negritados e as vírgulas são sugestões minhas
² Tal qual o original

Universidade Federal de Rondônia
Luana Raquel da Silva
Análise estilística de “Receita de espantar a tristeza”, de Roseana Murray