TEAR:
Com fios de pensamento
se tece o mundo
se costuram pedaços
rasgados de vida,
nesse tear estranho
que só o homem possui:
tear de sonhos.
in Residência no Ar, ed. Paulus, Roseana Murray, aquarelas Evelyn Kligerman
Nós, crianças, rogamos-Lhe,
nosso Deus, criador do mundo:
conceda-nos uma vida delicada e pura
e cultive em nós a bondade.
Epígrafe do livro O Sobrevivente, Memórias de um brasileiro que escapou de Auschwitz, Ed.Record
Ontem o encontro do nosso Clube de Leitura da Casa Amarela para discutir o livro A TRÉGUA do Primo Levi foi diferente de tudo o que eu havia imaginado. Praticamente não pudemos discutir o livro, mal conseguimos nos aproximar dele, pois Angela, uma das leitoras do Clube trouxe como testemunha o Sr.Aleksander Henryk Laks com seu livro O Sobrevivente. A realidade explodiu a ficção. Aleksander foi prisioneiro de Auschwitz, escapou, veio para o Brasil, se naturalizou brasileiro e vive para contar. Ao contrário do que se poderia imaginar, é um homem alegre, cheio de vida, emotivo, sorridente e nos conquistou a todos, além do seu humor judaico. Em várias ocasiões ele desmentiu o Primo Levi, pois A Trégua é um livro filtrado, literatura e realmente não nos importa o que ali é verdade ou não, nos importa como o livro está escrito.
O Sr. Aleksander nos contou. Respondeu a muitas, muitas perguntas. Nos falou da fome, imensa, indescritível, algo com que ninguém que não tenha sido prisioneiro de Campo, vivido a guerra pode imaginar. O Sr. Aleksander nos contou. E foi muito impactante ouvir. estávamos todos na beira do abismo da emoção, quase todos com um nó na garganta. Hector, novo membro do Clube, trouxe um artigo sobre o antissemitismo hoje no mundo, previu uma nova Hecatombe, um futuro Holocausto e nos falou da sua descrença em tudo. Mas a epígrafe do livro (já comecei a ler, estou na metade e é muito forte e muito bem escrito) do livro O Sobrevivente nos fala da bondade e não da maldade. No livro A Trégua , encontramos dentro das relações humanas, que é a base do livro, a bondade espalhada como fina poeira luminosa dentro do horror. No livro A Escritura e a Vida, Jorge Semprún nos fala da bondade quando um homem, prisioneiro alemão comunista , troca a sua profissão de estudante de filosofia pela de estucador: provavelmente ali sua vida foi salva. Não acredito em nenhuma repetição do passado. Acredito que um dia o mundo descobrirá a paz e a bondade será a partitura do mundo. A presença luminosa do Sr. Aleksander que depois de ter passado cinco anos comendo 200 calorias por dia, ficou vivo para contar, para que o passado não se repita, nos deixou a todos completamente emocionados. E esperançosos.
Francisco leu um poema que escreveu a partir da Trégua. Felipe estava felicíssimo de namorada nova, apaixonado e nos leu, maravilhosamente Pasárgada, do Bandeira, para que cada um construa a sua Pasárgada possível. Maria Clara também leu um novo poema. Juan perguntou ao Sr. Aleksander sobre a história do Padre Kolbe, que morreu em Auschwitz no lugar de um homem e o Sr. Aleksander disse que isso seria totalmente impossível, que ele não acreditava.
Durante o almoço Angela tocou violão e todos cantamos a música “Para não dizer que não falei de flores” , do Vandré, todos cantamos juntos. O Sr. Aleksander se apaixonou pelo meu pão e só queria comer o pão! Tomou proseco, riu, se divertiu, nos seduziu. Minhas duas pastas, a de beringela e de gorgonzola fizeram sucesso.
Messias, nosso médico e amigo-irmão, foi nosso grande ausente, pois às nove horas da manhã me telefonou dizendo que não poderia vir, estava com febre . Eu havia feito um bolo de aniversário para ele, mas cantamos parabéns e ele ouviu pelo telefone.
Fernando e Hélio , emocionadíssimos, nos disseram da oportunidade única de conhecer um sobrevivente de um Campo de Concentração. Dentro de muito pouco tempo , já não haverá mais nenhum sobrevivente vivo para contar com a sua própria voz.
Póximo encontro dia 21 de julho. Livros: O Amante, Marguerite Duras e o conto Os Mortos, do James Joyce. Um poema do Drummond, cada um escolha o seu.