ONG Saúde Criança

Ontem recebemos 20 adolescentes da ONG Saúde Criança para um café da manhã dentro do Projeto Café, Pão e Texto. Chegaram atrasados, pois vieram de longe. Então começamos por onde termino: o café da manhã. Eram lindos e coloridos. Mas muito tímidos. Havia um constrangimento. Nem queriam chegar perto da mesa. Enfim comeram e começamos. Falei para eles do Projeto . Gostaram muito do nome. Dois vieram com camisetas pintadas com meus poemas. Contaram que já me conheciam através da Flávia Lins. Comecei com o livro Quem vê Cara não Vê Coração, pedindo a eles que me dessem ditados populares. Estavam silenciosos mas de repente um falou um ditado e outro e todos! Então lemos alguns poemas e foi aí que se soltaram. Fizemos brincadeiras com os poemas. Eles riram muito. Com o livro Poço dos Desejos cada um me disse um desejo. Poucos disseram não ter nenhum desejo. Mas alguns me falaram desejos belíssimos. Um menino desejava felicidade. Uma menina queria conhecer o mundo. Outra queria morar em Londres e Paris. E um outro queria voar para ser livre. Falei pra eles que para isso há que trabalhar e ajudar os desejos. Depois me fizeram perguntas interessantes e provocadoras. Queriam saber tudo. Duas meninas leram seus próprios poemas. No final todos gritaram bem alto seus nomes numa brincadeira que faço com o poema Receitas de se Olhar no Espelho. Sorteamos livros. E eles foram a praia fazer fotos. Voltaram com os pés sujos de areia e os rostos iluminados. Tinham pela frente uma longa viagem de volta para casa.

Miguilim

Receber Miguilim em nossa casa foi uma experiência única e maravilhosa. Este encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela foi especial pois festejávamos também o aniversário do Juan. Amigos mais do que amigos chegaram cedo do Rio e a varanda já estava arrumada para o almoço com as mesinhas que alugo cobertas com as lindas toalhas de chitão florido. A varanda fica parecendo um imenso jardim. Um pão acabava de sair do forno quando chegaram Messias , Kátia e Monique. Fizemos um botequinzinho com café e pão quente com queijo. E logo chegaram Cristiano, Ana e Ronaldo com seu violão para as muitas surpresas. O botequim foi crescendo. Chegaram Norma Estrela e Dirceu. Chegaram César e Fátima. E finalmente chegaram Hélio e Fernando, Chico, Gil. Entramos, nos sentamos. Quis começar pelo fim, marcando a nova data e indicando os livros: Dia 10 de outubro. Judas, do Amoz Oz e A Última escala do Velho Cargueiro do Alvaro Mutis.Li a linda carta da Professora Zete. Cristiano que estuda Guimarães Rosa desde a sua juventude, também fez a proposta de começar pelo fim. Mas eu não resisti e quis falar só um pouquinho do começo, quando Miguilim traz para a sua mãe o grande presente: alguém lhe disse, na sua viagem com Tio Terez, que o Mutum é bonito. E como ele queria levar esta frase de presente para a sua mãe! Assim ela não ficaria mais triste suspirando pelos cantos! E ela nem ligou, aprisionada que estava naquele lugar, naquele triângulo amoroso que Miguilim e seu irmão Dito intuíam. Mas Cristiano puxou o fio para o fim, para o médico que traz os óculos e finalmente Miguilim pode ver tudo e finalmente pode ir embora, a promessa que fez lá atrás quando Dito havia lhe ensinado que pagar uma promessa antes do pedido ser realizado é muito bom. Os óculos são o seu ritual de passagem. Messias falou um pouco dos rituais de passagem em algumas culturas. Chico e César falaram que o livro contava a infância deles. Messias contou que seu tio tinha uma fazenda onde passava a infância que era perto realmente do Mutum. E que ele havia vivido aquelas maravilhas. Gil falou que o livro também era a sua infância no interior do Maranhão. Ronaldo cantou uma música que ele fez para um espetáculo que faz a síntese do livro e fala lindamente do Miguilim não é alegre e não é triste. Nos apaixonamos pela música e cantamos o refrão. Maria Clara leu um poema que fez, lindíssimo, sobre o Miguilim. Falamos um pouco sobre tudo, a sensibilidade das crianças, o amor entre os irmãos, a morte do Dito, o ritual que a preta velha Mãiitina faz com Miguilim, a sensualidade da mãe, a tragédia da família. Seria Miguilim filho do Tio Terez? Falamos um pouco de cada personagem. Todos falaram que ninguém no mundo jamais descreveu a natureza como Guimarães Rosa . Cores, cheiros, animais, sensações. Todos nós vivemos no Mutum enquanto líamos o livro. E eu confesso que jamais sairei de lá. Assim como passei a minha infância no Sítio do Pica Pau Amarelo, agora vivo para sempre no Mutum, dentro das suas matas. Nas suas veredas. Juan , que passou a sua infância numa aldeia pobre no interior da Galícia , disse que dentro do livro estava em casa, pois foi aquilo que viveu. E lembrou que antigamente as crianças viviam no mundo real. Tocavam as coisas, viam a vida acontecer e morrer e que hoje vivem no mundo virtual. Ainda não temos distanciamento para saber o que é isso. E também disse que ele descreve um mundo que logo acabará, pois 80% da população já saiu do campo para as cidades Devo dizer que nunca li e reli nenhum livro mais belo na minha vida. E que se alguém não leu corra para ler pois ninguém pode viver sem Miguilim. Ana e Ronaldo prepararam uma surpresa para o Juan: cantaram Se Todos fossem iguais a Você.E, do Vinicius. Ana tem uma voz maravilhosa. Todos leram poemas do Vinicius e fechamos o encontro cantando Uma Tarde em Itapuã. Coral do grupo! Vanda preparou a melhor feijoada do mundo. Havia empadão de legumes para quem não come carne. Cantamos parabéns com violão e tudo. E celebrar a vida e a literatura alimenta a nossa chama de vida.

José Sarney

Abecedário Poético de Frutas O Abecedário Poético de Frutas é uma delícia que se transfere do prazer físico para o espiritual. Cada fruta é ressuscitada em nosso sabor, com cheiro de oriente do damasco, perfume da vergamota que deixa na boca uma saudade, forma de estrela de carambola, gosto escondido da noz, colorido dourado e branco da banana, amarelo doce da manga, textura de tecido de um tempo antigofigo, consistência molhada do caqui. As árvores dão sombra,aninham os sonhos,formam um túnel verde. As frutas reencarnam o sol, escorrem sol, inundam a boca de felicidade, incendeiam de doçura, percorrem ruelas, iluminam o céu da boca, brilham feito nascente, transformam o dia em sol e festa, no milagre da poesia. A riqueza das imagens, dos versos, e a música dos poemas mostram que a poeta tem o domínio completo de seu ofício. Não é poesia infantil, é, simplesmente, poesia. Poesia simples e direta, portanto mais perfeita, onde podemos mergulhar e nos banhar, redescobertos no tempo em que aprendíamos as frutas. Tudo isso Roseana Murray conseguiu transfigurar nas palavras de uma grande poeta no seu Abecedário Poético de Frutas, em que elas são mitológicas flores do jardim das musas. José Sarney

Visitas Especiais

Quase ao mesmo tempo, um ônibus escolar encostou hoje pela manhã na porta da minha casa e minha amiga Mônica também trazendo sua amiga francesa, a Monique. Era a E.M. Prefeito Magid Repani, do Município de Magé, pelas mãos da professora Kátia. Todas as professoras eram maravilhosas, tão amorosas, cuidadosas, fantásticas. Primeiro descemos todos ao jardim e contei para eles que o jardim magnífico que temos antes era um areal. Depois, na varanda, no chão forrado com colchas e almofadas, nos bancos, era um jardim de crianças lindas. Fiz com eles brincadeiras com poemas e finalizamos com o livro Carona no Jipe, depois da leitura eles me contavam para onde gostariam de ir. Muitos queriam ir para Londres, Paris, Barcelona, Rio e outros queriam voltar para Magé. Aí a surpresa: Monique, a francesa, trabalha três meses por ano em Burkina Faso na África. Num lugar muito remoto, sem água, sem luz, sem nada, na beira do deserto. Ela foi para lá ajudar a fazer uma escola. E contou tanta coisa, a gente ia traduzindo. Contou que na época da grande fome as crianças comem apenas três vezes por semana. Falou do trabalho na escola, como os pais lhe disseram que ela ajudou a tirar as crianças da escravidão. Falou da dignidade deles, de sua criatividade e beleza. Contou as coisas mas emocionantes e nos mostrou fotos. E pediu para entrelaçar as duas escolas, a de Magé e a de Burkina Faso. Quer que as crianças de um país conheçam a do outro. As crianças tomaram chocolate quente com bolo e sanduichinhos e biscoitos . Foram até o mar. A metade da turma não conhecia o mar. Foi um dos encontros mais emocionantes do mundo. Sorteei alguns livros, Juan autografou e ensinou algumas frases em espanhol para eles. Aprenderam a dizer bonjour! Cada encontro é tão diferente do outro. E me deixa em estado de graça.

As Cidades Invisíveis

Ontem foi nosso encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela .O dia estava nublado e um pouquinho frio. Às 10 horas. as pessoas começaram a chegar. Nosso grande amigo e nosso médico Messias e Kátia, sua mulher, Cristiano, Ana e Edith vieram do Rio. A Zete chegou de Cabo Frio para onde havia ido visitar uns amigos. E chegaram Hélio, Fernando, Chico, César, Fátima, Maria Clara. Hector e Flora chegaram atrasados trazendo mais um casal: Norma Estrela e não me lembro o nome do seu marido. Por último Gil, gripadíssima. Começo quase pelo final. A Zete trouxe para a nossa roda o seu sotaque baiano e uma fala belíssima: Começou dizendo que sua cidade, Ribeira do Amparo, era invisível e Saquarema para ela também era invisível. E agora as duas eram visíveis, pois ao falar da sua cidade ela passava a existir. E Saquarema agora existia para ela. Para falar sobre as Cidades Invisíveis do Italo Calvino, puxamos muitos fios coloridos. Falamos da sua matriz, a cidade natal de Marco Polo, Veneza, da beleza , da poesia, da delicadeza da escrita, das alucinações, as cidades são todas alucinadas. Falamos dos avessos, da cidade dos mortos, das sombras, das ruínas, da decadência das cidades. Do jogo dos espelhos, da beleza do encontro entre Kublai Khan e Marco Polo, do viajante e do grande Imperador que não se move. Do narrador e do que escuta . E tudo o que é imaginado , fulgura e existe. Falamos da influência de Borges, de Scherazade e por fim falamos sobre o olhar e sobre o tempo. Nas Cidades Invisíveis passado e futuro coexistem, Oriente e Ocidente. Tempo e Espaço. Falamos sobre as megalópolis hoje, a inviabilidades das cidades imensas. A inviabilidade do planeta! E terminamos com o último parágrafo do livro: ” E Polo: _ O inferno dos vivos não é algo que será: se existe, é aquele que está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que no no meio do inferno, não é inferno e preservá-lo e abrir espaço.” Como diz meu neto todas as noites: _ Mamãe, me conta as coisas bonitas. As coisas bonitas são o que acontece de bom na sua vida. Que nosso olhar busque sempre as clareiras que existem dentro do inferno. Juan escreveu um texto belíssimo que leu em espanhol, fazendo um elo entre as cidades invisíveis de Calvino e a Veneza de Marco Polo. Edith leu alto uma crônica do Rubem Braga: Recado ao Senhor 903. Zete leu o poema Perda da Elizabeth Bishop. Maria Clara trouxe uma reportagem de Marcelo Moutinho sobre a origem das crônicas do Rio de Janeiro. Trouxe também a letra de duas músicas . ” O nome da Cidade” de Caetano Veloso, maravilhoso poema que Maria Clara cantou maravilhosamente e “Lamento Sertanejo” de Dominguinhos e Gilberto Gil que cantamos todos juntos. Ana também cantou uma música linda sobre Porto Alegre, a sua cidade. Ana é bibliotecária e cantora. Tem uma voz muito bonita. Depois fomos para a varanda e o almoço estava esplêndido: escondidinho de aipim com carne seca, escondidinho de aipim com abobrinha e gorgonzola, arroz, feijão, couve, salada. Fiz dois pães lindos que foram devidamente devorados com azeite. César trouxe espumante para todos e oferecemos um ótimo vinho argentino, em homenagem ao Hector. Uma torta com o nome do César marcou seu aniversário. E estávamos todos em estado de graça: literatura, amigos, pão, azeite e vinho, comida maravilhosa, a música do mar… Esta é uma lindíssima clareira, com o chão varrido em círculos, onde dançam as fadas.

Morte em Veneza

No último encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela discutimos dois livros que se entrelaçam e são opostos. Marca D’Água de Joseph Brodsky é um mergulho do olhar na beleza, não uma busca pela beleza, pois simplesmente ela está em tudo e o poeta e suas entranhas navegam sem tensão. Se Marca D’Água se passa no inverno, Morte em Veneza de Thomas Mann se passa no verão, num calor que tudo apodrece, até mesmo o mundo interno tão bem construído do personagem escritor. Falamos das premonições, Cristiano lembrou que se em Marca D’Água o poeta é o narrador e personagem, em Morte em Veneza temos o narrador separado do personagem. A busca pela beleza em sua escrita, em sua vida, é cheia de tensão, o escritor nunca relaxa, ele não é um poeta que mergulha que se deixa perder, mas um caçador. Disciplinado, atento e tenso. Sua vida até então é uma arquitetura muito bem construída que começa a ruir já na escolha do seu destino, quando o destino se impõe. E rui definitivamente quando encontra Tadzio, o menino de beleza deslumbrante. Fernando pergunta: ” a sua paixão por Tadzio é homossexual ou apenas a busca da beleza perfeita”? Todos achamos que é uma mistura das duas coisas. Maria Clara fala do mito de Narciso. E diz que o amor homossexual é narcísico, o que gerou muita discussão. Cristiano trouxe dados concretos da vida de Thomas Mann. E falamos do contraste entre a “velhice” do escritor e a extrema juventude de Tadzio, apenas um menino. E como tudo se soma para desembocar na morte. Falamos muito. É um livro muito rico. Magnificamente estruturado. Discutir dois livros tão belos dá fome. Um almoço maravilhoso preparado pela Vanda, nossa caseira, vinho e pão feito em casa (por mim). E no final uma homenagem aos que fizeram ou fariam aniversário. Na verdade, Suzana e Leila, mas muitos também quiseram a homenagem e foi divertido. Cantamos parabéns, e já somos uma família. Próximo encontro: dia 16 de maio às 11hs Livros: As Cidades Invisíveis, Italo Calvino, alguma crônica do Rubem Braga e um poema da Elizabeth Bishop.

Encontro

Ontem aconteceu o nosso encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela. Recebemos uma convidada muito especial: Suzana Vargas, poeta, criadora do espaço Estação das Letras no Rio de Janeiro.E Cristiano Mota Mendes, músico, ator, diretor de teatro, leitor extraordinário, que de vez em quando aparece. O grupo é bastante heterogêneo, o que torna a leitura de um livro extremamente rica, são tantos olhares diferentes . Começamos com Marca D’Água de Joseph Brodsky, que nos leva com seus olhos de poeta por uma Veneza no inverno, que eu achava em preto e branco, mas Maria Clara me chamou a atenção para os dourados delicadíssimos na luz do inverno. Maria Clara também nos diz que pelo fato de ter voltado a Veneza 17 vezes, a intimidade do poeta com os labirintos venezianos o torna quase um ser aquático. Adelaide, Janaína, César e Maria Clara comentaram sobre a dificuldade de entrar no livro e eu diria que há que atravessar o primeiro nevoeiro, pois não é um romance, não é um livro de poemas. É uma divagação, um quase sonho. Hélio diz que é uma prosa poética e romântica. Juan falou sobre dois momentos do livro que também aconteceram com ele em viagens a Veneza. Juan é, como Brodsky, um amante de Veneza, de tal maneira, que Felipe Gonzalez, quando estava no poder, lhe ofereceu o cargo de Cônsul Honorário O passeio de gôndola por uma Veneza desconhecida onde o gondoleiro pediu que se deitasse no fundo do barco e o encontro com a viúva de Ezra Pound. No livro Brodsky faz um passeio impressionante de gôndola à noite. Leila nos diz que fez um passeio de gôndola bem turístico, mas completamente emocionante. Ela encontrou a paz, e também um novo olhar sobre a cidade. Ninguém conhece a origem das gôndolas, diz Juan, e Chico conta das gôndolas em Las Vegas, para mim, algo completamente estranho. Como uma baleia num aquário. Juan completa: ao conhecer uma fábrica de gôndolas em Veneza, lhe contam que os maiores compradores são americanos. Angela e Helio leram trechos belíssimos. Todos falamos sobre a beleza que o olho encontra naturalmente em cada lugar que pousa. Assim também a escrita de Brodsky, maravilhosa. Falamos dos espelhos e da água. Da água calma e lacustre e então passamos para o mar, para Veneza no verão, para Morte em Veneza. Continuo amanhã a nossa viagem.

Baú de Afetos

Eu não me lembrava, mas logo antes da minha cirurgia uma E.M Rural de Saquarema, a João Machado da Cunha, veio me pedir para participar do Projeto Café, Pão e Texto. Eu expliquei para a professora que era impossível, eu não sabia como iria estar me sentindo. Ela sugeriu então trazer poucas crianças , apenas para uma entrevista, sem o café da manhã. Então concordei e anotei na agenda. Mas eu nunca olho a agenda! E havia mesmo me esquecido completamente. Então ontem, ao me aproximar do portão para ver o mar, um ônibus escolar passou pela minha porta, era pequeno, amarelinho, e dei adeus para as crianças com as mãos. Acontece que o ônibus parou logo adiante , as crianças desceram e vieram para o portão com duas professoras. Eu perguntei: _Gente, marquei alguma coisa com vocês? E elas_ Sim, marcou uma entrevista. Falei: Esqueci!!! Mas improvisaremos um café da manhã. Vou pedir ao Sr.Motorista para comprar pão na padaria. E elas: _ Não, você combinou sem café da manhã. Trouxemos um lanche para fazer um piquenique na praia. Eles entraram e eu pedi para irem todos ao jardim e quem encontrasse um jabuti primeiro ganhava um livro. Dois , um menino e uma menina acharam um jabuti ao mesmo tempo! Depois fizemos uma rodinha com bancos e cadeiras no canto do fogão de lenha e comecei perguntando se a escola tinha horta . Não tem, eles me explicaram que a escola é bem pequena mesmo e não há espaço para uma horta, nem Sala de Leitura. Então perguntei se eles sabiam que uma horta pode mudar pessoas. Eles me olharam com cara de espanto. Perguntei se eles conheciam Nelson Mandela, se já tinham ouvido falar do apartheid na África do Sul. Não, não conheciam Nelson Mandela, nunca ouviram falar da África do Sul. Então contei a história do Nelson Mandela, do Apartheid, de como o Mandela começou querendo fazer uma revolução violenta e como entendeu que seria muito melhor mudar as coisas de uma maneira pacífica. Acho que havia apenas uma aluna branca. Todos eram negros ou mestiços. Todos lindíssimos. Então contei como o Nelson Mandela conseguiu autorização para fazer uma horta na prisão, pois foi preso e ficou preso por muitos anos. E como a horta foi mudando o comportamento dos guardas terríveis com os presos. Como a horta, lindíssima, conseguiu abrandar seus corações. Depois falei da importância do perdão. Se negros e brancos não tivessem se perdoado mutuamente, haveria, depois do apartheid , um banho de sangue. Falamos do Dia da Consciência Negra e de como o Mandela é uma das figuras mais importantes que já existiram. Fui entremeando tudo com brincadeiras poéticas com a leitura dos poemas. Perguntei se alguém sabia um ditado popular, quem respondesse primeiro ganhava um livro. Um menino disse: Quem vê cara não vê coração e ganhou um livro e eu li este poema. Perguntei se alguém já sentiu dor no coração com alguma coisa, se já sentiu o coração disparar com alguma coisa e finalmente se alguém já havia conseguido abrir algum coração fechado. Muitos disseram que sim, mas não quiseram me contar. Era segredo. Fizemos uma Orquestra Noturna com vozes de sapos e corujas e percussão no corpo, com meu poema do livro Caixinha de Música. Fizemos uma cena teatral com meu poema Receita de se Olhar no Espelho, do livro Receitas de Olhar, e no final todos gritaram seus nomes bem alto. Então eu ia respondendo as perguntas deles e intercalando brincadeiras com poemas . Falamos de bullying e eles são tão amigos e tão amorosos que não há hostilidade entre eles. Mas um menino lindo me disse que o amigo o chamou de macaco. Então falamos sobre estes xingamentos racistas e eu disse que achava que eram uma bobagem pois a verdadeira ofensa seria chamar um macaco de homem, pois os macacos são muito melhores do que a gente. Também chamam a mulher de cachorra e não há nada mais magnifico do que uma cachorra, as fêmeas são amorosas ao extremo, mães maravilhosas, as melhores amigas. Sempre preferi ter cachorras do que cachorros. Também chamam algumas mulheres de galinha, mas não deveria ser uma ofensa, pois as galinhas são lindas, roubamos seus ovos para comer e elas nem fazem uma revolução! e falei um pouco das coisas que dizemos por hábito. Perguntei se eles estavam com muita fome e vontade de ir embora e eles disseram que não, nunca, de jeito nenhum, então ainda ficaram e fechamos com o jogral do Caldeirão da Bruxa, do meu livro Poemas e Comidinhas. Perguntei se eles queriam a sopa da bruxa ou biscoitos e distribuímos biscoitos, fizemos fotos e minhas amigas baianas Regina Celi Pires e Verbena participaram de tudo. Antes , quando ainda eram distribuídos os biscoitos, o Motorista, que participou de tudo, sentado na Roda, pediu para falar. Disse que se chamava Silvio Santos mas o seu baú não continha nada material, era um baú cheio de amor! Pedi abraços , nos abraçamos muito, todos e foi a manhã mais maravilhosa do mundo e lá foram eles com as Professoras Bruna Macedo e Rogéria Marins rumo ao piquenique na praia com toalha e tudo!!!

Senhorita Brill

Ontem, em nossa reunião do Clube de Leitura Amarela, apenas uma pessoa, o César, leu o livro Xogum até o final. Eu já sabia, por isso escolhi um conto maravilhoso da escritora Khaterine Mansfield, e começamos com uma Roda de Leitura. Eu fui a leitora-guia e dei o melhor de mim, pois o conto Senhorita Brill é uma obra-prima , uma joia. A Senhorita Brill todos os domingos vai ao Parque ouvir uma orquestra tocar. Desta vez ela vai com sua estola de pele, imagino que de raposa, e ela dá vida ao bichinho morto e todos disseram que há uma transferência clara, a pele é ela, que vive sozinha num quarto que é como um armário , mas aos domingos no parque vive as vidas dos outros pelos pedaços de conversas que ouve, e ela se sente atriz participando, como disse Maria Clara, do teatro do mundo. Até que… será que eu conto o final? Não vou contar. Deixo vocês, meus leitores buscarem o conto para saber do esplêndido e inesperado final. Depois falamos do Xogum, discutimos o livro numa discussão inédita: Só um o leu inteiro, outros leram 50% , outros um pedacinho e resenhas… Mas a discussão foi ótima, falamos da vida e da morte, dos samurais e dos Senhores e da poesia e dos jardins e do amor entre o Anjin-san e da Mariko. Chico prometeu terminar o livro e Maria Clara também.No final Maria Clara, que deu uma aula sobre esta forma de poesia e Hélio trouxeram haicais belíssimos do Bashô e outros mestres japoneses. Chico e Maria Clara leram haicais de sua autoria. Aline, Vanda e Samuel, nossos caseiros e sua filha, participaram de toda a Roda de Leitura e das discussões. Temos duas pessoas novas, Celmar, minha professora de italiano e Sonia que me trouxe uma mandala lindíssima de presente. Fazia muito frio e sudoeste e tivemos que votar pra saber se comíamos fora ou dentro. A votação foi meio truncada e finalmente comemos fora. Mas a sobremesa foi dentro: uma torta-bolo de aniversário para Aline, Vanda e Chico que fizeram anos recentemente. Angela trouxe vários presentes para todos. Ela sorteou um livro e o Chico ganhou numa concurso meio truncado também. Chico o doou para a outra Angela levar para a biblioteca da E.M Ozíres e eu pedi emprestado pois é sobre os colegas de classe da Anne Frank e fiquei muito interessada. Sonia trouxe uma mousse maravilhosa de abacaxi e Hélio e Fernando trouxeram de presente de Burano dois lindos panos bordados e um queijo parmeggiano para Juan. Foi dia de presentes, César trouxe para o almoço vinho tinto e branco. O próximo encontro será no dia 6 de dezembro às 10hs na minha casa e o livro será A PONTE INVISÍVEL de Julie Orringer.

Com os adolescentes

Para fechar o mês de setembro recebi a última escola dentro do Projeto Café, Pão e Texto. A E.E.Oliveira Viana de Bacaxá, Saquarema. Eram alunos do último ano do Ensino Médio, tinham entre 17 e 19 anos. A Professora Adelaide, amorosa ao extremo, é amada e respeitada. Foi um encontro emocionante. Falamos sobre todos os temas possíveis. Eles contaram o que queriam, os sonhos, desejos, aptidões. Eu contei bastante da minha vida. Tudo entrelaçado com meus poemas. Perguntei se tinham abertura para conversar e pensar na sala de aula e me disseram que sim, com a Professora Adelaide, a quem chamam pelo nome. São carinhosos uns com os outros, uma delícia! O pior da escola , eles contaram, é que alguns professores simplesmente não vão, não aparecem. E quem quer passar no Enem, tem que dar um jeito por fora da escola. Todos disseram que querem trabalhar no que amam, mesmo que isso não dê muito dinheiro. Um depoimento lindo foi o de um jovem que quer ser bombeiro, ele quer dar esta felicidade aos pais , ele disse que quer que os pais, tão pobres, tenham orgulho dele.Muitos escrevem, adoram escrever e é uma turma leitora. Vitor, um menino que quer ser jornalista, disse que um leitor é aquele que é modificado pelo texto. Uma menina linda (não lembro do nome) que quer fazer psicologia, disse que quando lê mergulha tão intensamente no texto que os personagens passam a fazer parte da sua vida para sempre. Ela escreve crônicas do cotidiano. Eram jovens atentos e antenados com o mundo. Perguntei o que mais desejam os jovens e muitos disseram: liberdade. Um outro disse que um jovem quer experimentar coisas novas, um jovem quer viver e experimentar tudo. Quando a conversa terminou e enquanto tomávamos o café da manhã alguns quiseram manusear meus livros. A professora Adelaide me segredou que muitos já se diziam inspirados para escrever a partir do encontro. No portão fui abraçada e beijada por todos, cada um, meninas e meninos e me agradeceram a manhã tão boa. E eu agradeço mais ainda .