Cristiano Mota

Roseana,
Me sinto a beira de um precipício ao terminar de ler Carteira de Identidade.

Abismos navegáveis a barquinhos de papel, como diria Rosa.

Esse quem sou constante, de dentro da caverna, a se embrenhar por dentro cada vez que um espinho de luz fere, um poema único em fragmentos que levam até as estrelas, até os ossos do tempo.

Vejo Nise da Silveira no poema Flores, mais um, entre tantos fragmentos de metamorfose. Revivo suas palavras, no pequenino apartamento da Marquês de Abrantes, cercada de gatos por todos lados. Falava de Jung, que lhe aconselhou a ler as Metamorfoses de Ovídio. Era poesia.

Não sei se em algum lugar, de algum jeito, continuamos a existir; de algum absurdo modo, a falar, ver e sentir. Por isso não sei como mandar teu livro pra Nise. Mas se isto fosse possível, mandaria teu livro para algum lugar, onde Nise existiria, e assim escreveria a dedicatória: “Minha amada Nise: recebe este livro, metamorfose de flor, rio e estrela. Uma maneira que encontrei para recordar que ainda somos capazes de encantamento”.

Não coube no email anterior colocar toda a surpresa, todo o prazer que a leitura de Carteira de Identidade me trouxe.

As imagens de Elvira Vigna, que incrível sensibilidade!

Dois rios que se juntaram nesse trabalho.

É como se teus poemas escorressem dos desenhos dela, feito o sumo de uma fruta, redesenhando pelas palavras novos sentidos. Esse processo alquímico aparece brilhante em Vento, como um buquê de significados que se entrelaçam. Mais uma vez a imagem das borboletas me trazem a sensação de metamorfose poética. Nada é estático. Palavras e imagens se mexem dentro de quem lê.

Não sou teórico nem acadêmico, mas acho que consigo enxergar e sentir a beleza de um som ou de um pensamento que atinge meu coração. E esse teu livro me atingiu com força e delicadeza.

Um beijo,
Cristiano Mota